quinta-feira, agosto 10, 2006

Onde está o dinheiro?

Publicado no Diário Económico a 8/8/2006.

Quanto dinheiro é que tem no bolso? Sabia que, em 1999, em média cada português tinha no bolso 112.871 escudos (563 euros), cada italiano 2,4 milhões de liras (1207 euros), cada americano 1908 dólares (1793 euros) e cada japonês 531 mil ienes (4318 euros)?

Sabemos estes números porque temos uma medida exacta de quantas notas e moedas é que estão em circulação. Afinal, todas elas saíram das impressoras dos Bancos Centrais, que têm as contas actualizadas até ao cêntimo. Para além disso, sabemos também exactamente quanto desse dinheiro é que está nos cofres dos bancos e de outras instituições financeiras, que são obrigados a revelar estes valores. Sobra só o dinheiro nas pessoas e nas instituições não-financeiras. Dividindo pela população, chegamos aos números que revelei acima.

Por um lado, estes números são um exemplo de como as médias podem esconder grandes disparidades. A maior parte das pessoas só raramente tem mais do que 100 ou 200 euros no bolso. Mas há alguns que têm no bolso (ou na mala, ou no colchão) milhares de euros em notas e moedas. Por outro lado, estes números revelam que há muitos euros com paradeiro desconhecido. Através de inquéritos às empresas podemos descobrir quanto dinheiro é que elas costumam ter em caixa (pouco). Através de inquéritos às pessoas descobrimos quanto dinheiro é que têm consigo (muito pouco). Depois de fazer estas contas, ficam a faltar muitos euros. Onde é que eles estão?

O primeiro suspeito nesta busca pelo homem-com-um-milhão-no-bolso são os estrangeiros. Se os angolanos e moçambicanos têm poupanças em euros e os usam nas lojas dos seus países, serão esses os euros que faltam. Basta ir à América do Sul para ver dólares por todo o lado, e uma parte substancial das reservas dos bancos centrais no mundo inteiro é detida em dólares. No entanto, os estrangeiros não explicam tudo. Podem existir muitos estrangeiros que querem deter dólares ou euros pela sua segurança e estabilidade ou para especularem no mercado de câmbios. Mas não eram assim tantos os estrangeiros em 1999 agarrados aos escudos portugueses ou às liras italianas.

O segundo suspeito são os criminosos. Se o seu milhão de euros foi ganho a vender estupefacientes, não pode propriamente entrar na agência bancária mais próxima e depositá-lo numa conta. O traficante de droga muito provavelmente também não responde a verdade nos inquéritos que descrevi acima. Em 1999, o jornal Financial Times fez a seguinte experiência. Recolheu aleatoriamente 100 notas de 100 libras e enviou-as para análise num laboratório. Das 100 notas, 99 tinham traços de cocaína. Igualmente, as notas de 500 euros que o BCE emite e que você provavelmente nunca teve na mão estão quase todas nas mãos de criminosos que as acham muito úteis.

O terceiro suspeito é numeroso mas anónimo. Consiste em todas as pessoas que em certas situações entram em certas transacções das quais não se orgulham. Uma das maiores vantagens do dinheiro é que, ao contrário das outras formas de pagamento (cartões, transferências, etc.), não deixa rasto. Quando quer fugir ao sisa ou pagar à empregada doméstica sem fazer descontos, a pessoa usa notas ou então arrisca-se. O famoso apresentador de televisão Jerry Springer teve em tempos uma carreira meteórica na política. O jovem Springer aos 27 anos chegou a vereador da câmara de Cincinnati (capital do Ohio). No entanto, numa noite fatídica, decidiu pagar em cheque a uma prostituta porque não tinha dinheiro no bolso. Uns dias depois, uma busca policial às instalações do bordel descobriu o cheque com a assinatura do vereador. Foi o fim das aspirações políticas de Springer. (Mas não da sua carreira: três anos depois, foi eleito presidente da câmara, e a publicidade do escândalo lançou-o para uma carreira na televisão.)

As receitas que um banco central tem por imprimir dinheiro e aumentar a inflação, reduzindo o valor real do dinheiro, vêm por isso em parte dos estrangeiros, dos criminosos e das pessoas prestes a deixarem-se tentar por actos menos próprios. Como fonte de receitas públicas, a inflação tem alguma atracção. É uma pena que a inflação também coloque em risco o sistema financeiro, prejudique cruelmente os assalariados com rendimentos fixos em euros, e distorça todo o sistema fiscal de cobrança de impostos.

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