sexta-feira, dezembro 29, 2006

Regras e orçamentos

Publicado no Diário Económico a 17/10/2006.

A apresentação do Orçamento de Estado pelo Governo é apenas o primeiro passo de um longo processo até à sua aprovação final. A maior preocupação hoje, em Portugal, é a redução do défice depois de anos e anos processo até à sua aprovação final. A maior preocupação hoje, em Portugal, é a redução do défice depois de anos e anos de despesas excessivas. De que forma é que o processo que se vai seguir afecta este objectivo?

O economista Alberto Alesina, da Universidade de Harvard, dedicou grande parte da sua carreira a estudar este assunto. (Muitos destes estudos foram feitos com colegas, entre os quais o professor José Tavares, seu ex-aluno de doutoramento, e actualmente na Universidade Nova de Lisboa.) Alesina chegou a três principais conclusões.

Primeiro: Regras rígidas acerca do tamanho do défice não são uma boa ideia. Uma execução óptima do orçamento deve permitir que o Estado por vezes entre em défices, desde que, por outras vezes, o compense com ‘superavits’. Durante uma recessão, quando as despesas sociais do Estado aumentam com o desemprego, e as receitas diminuem com a produção, é desejável e eficiente que se entre em défice. A alternativa é subir os impostos para equilibrar as contas públicas, o que só tenderia a agravar a recessão, ao desencorajar a actividade económica. Para além disso, alternar entre impostos altos e impostos baixos, conforme a economia alterna entre recessões e expansões, produz graves distorções na economia - as pessoas e empresas gostam e precisam de estabilidade.

É por esta razão que o Pacto de Estabilidade permite défices desde que não sejam muito elevados. Mesmo assim, no caso de a recessão ser profunda, como o foi em Portugal, o tecto de 3% pode ser demasiado apertado. A União Europeia admitiu implicitamente que era este o caso quando perdoou as transgressões da Alemanha, Portugal e Itália.

Para além disso, as regras rígidas encorajam manobras contabilísticas para cumprir as regras que, desonestamente, escondem os verdadeiros problemas. O enfoque vai para cumprir a meta em vez de reduzir as despesas de uma forma sustentada.

Segundo: Dar mais poder ao Governo e ao Ministério das Finanças. Embora o orçamento seja proposto pelo Governo, tem de ser aprovado pela Assembleia da República. É nas discussões na assembleia que, frequentemente, emerge o lado negro da democracia. Cada grupo de interesse tem um ou mais representantes na assembleia e tenta aprovar modificações ao orçamento que o beneficiem directamente. Para cada um, o benefício (só dele) excede sempre o custo (de todos).

Uma regra que pode ser muito eficaz para evitar estes problemas é exigir que as propostas orçamentais do Governo, na especialidade, sejam aprovadas ou rejeitadas, mas não alteradas, pela assembleia. Alguns estudos, usando dados de diferentes países, descobriram que com esta regra, as aprovações orçamentais são mais rápidas e há mais disciplina orçamental. Outra regra é exigir que qualquer modificação não altere o balanço do orçamento. Assim, qualquer proposta de maiores gastos numa área, tem de ser acompanhado de uma proposta de menores gastos noutra área.

Por sua vez, dentro do Governo, o ministro das Finanças é o único que internaliza todas as restrições orçamentais. Cada ministério vê sempre benefícios em mais gastos na sua área mas ignora os custos que todos têm de pagar. O ministro das Finanças, porque é responsável pelas contas do Estado, é o único que dentro do Governo internaliza todos os custos e benefícios de cada medida.

Terceiro: A transparência do orçamento é essencial. Orçamentos complexos tornam mais difícil identificar problemas e resolvê-los atempadamente. Para além disso, permitem que grupos de interesse mais facilmente capturem os recursos do Estado sem serem detectados.

Uma medida que aumenta a transparência das contas é exigir que as projecções no orçamento sejam verificadas por agências independentes. Outra regra benéfica seria exigir que se apresentassem contas para o sector Estado no seu todo. Por fim, outra regra exige que as contas do Estado sejam avaliadas não só no ano fiscal mas também consolidadas a longo prazo.

A maior parte dos princípios acima estão apenas parcialmente satisfeitos em Portugal. Vamos descobrir nas próximas semanas até que ponto é que o objectivo de redução do défice sobrevive ao processo político.

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