sexta-feira, dezembro 29, 2006

Dia da pílula

Publicado no Diário Económico a 24/10/2006.

Ao longo do século XX o papel das mulheres no mercado de trabalho evoluiu gradualmente. Mas nos EUA, nos anos 70, ocorreu uma mudança abrupta e inesperada.

Até 1920, as mulheres que participavam no mercado de trabalho eram sobretudo jovens, solteiras, com pouca educação e provenientes das classes baixas. Elas trabalhavam em empregos pouco qualificados, que abandonavam assim que se casavam. Entre 1930 e o final dos anos 60, há uma expansão nítida mas gradual no número de mulheres com empregos, incluindo algumas mulheres casadas. O progresso tecnológico libertou as mulheres de fardos domésticos-inventa-se o frigorífico e a máquina de lavar, expande-se a electricidade e a água canalizada-e criou novos empregos secretariais que exigiam menos esforço físico e estavam mais abertos às mulheres. Igualmente importantes foram porventura a II guerra mundial e a expansão dos direitos legais e políticos das mulheres, em particular promovendo o acesso à educação.

Após estes progressos lentos e graduais, no início dos anos 70, as jovens entre os 15 e os 30 anos encetaram uma autêntica revolução. Elas romperam repentina e radicalmente com o passado nas suas expectativas, educação e experiência profissional.

Comecemos pelas expectativas. Em inquéritos feitos às mulheres com 14 a 21 anos em 1968, apenas 30% esperava ter um emprego quando tivesse 35 anos. Em 1975, este número tinha subido para 60%.

Olhemos de seguida para a educação. Entre os nascidos em 1946, por cada 10 homens que acabavam um curso superior, havia cerca de 6 mulheres; entre os nascidos em 1956, havia quase 10 mulheres. Mais interessante ainda é a evolução nos cursos escolhidos. Em 1966, 40% das mulheres estudavam educação, e outros 20% literatura ou línguas. Quando chegamos a 1980, apenas 20% das mulheres estudam para serem professoras, enquanto a fracção que estuda economia salta de 2% para 15%. No final dos anos 60, por cada dez homens que estudavam economia, havia cerca de uma mulher; em 1985 eram já 8 mulheres.

Por fim, vamos olhar para o mercado de trabalho. No final dos anos 60 e durante a maior parte dos anos 70, cerca de 65% das mulheres tinha empregos tradicionais (professoras, enfermeiras), e menos de 20% tinha empregos não-tradicionais (doutora, advogada, gestora). No final da década de 1970, dá-se uma inversão rapidíssima, e quando chegamos a 1985, já há tantas mulheres em empregos tradicionais como em não-tradicionais. Ao mesmo tempo, a idade média de casamento das mulheres subiu 2,5 anos.

Nos anos 60, as mulheres tinham conquistado acesso a educação e empregos. Nos anos 70 passaram a ter carreiras. A geração de mulheres que tem hoje entre 50 e 60 anos foi a primeira a esperar trabalhar depois de se casar; a primeira que escolheu cursos no ensino superior em áreas “não-femininas”; a primeira que competiu directamente por cargos e salários com os homens; a primeira que adiou o casamento para investir na carreira.

O que é que aconteceu no inicio dos anos 70 que causou estas mudanças súbitas? A economista Claudia Goldin responde: a pílula. Entre 1971 e 1974, diferentes estados americanos permitiram gradualmente o livre acesso à pílula por jovens solteiras. Já existiam outros métodos anticoncepcionais, mas a pílula era barata, fácil de usar, e controlada pela mulher. A pílula reduz o custo de investir numa carreira por parte das mulheres. Por um lado, reduz o risco de ter de interromper a carreira devido a uma gravidez indesejada; por outro lado, elimina o custo de ter de abdicar de actividade sexual em prol da carreira. Usando a variação no ‘timing’ da liberalização da pílula em diferentes estados, Goldin estima que a introdução da pílula consegue explicar até quase 40% do aumento na idade do casamento e no número de mulheres com empregos.

Na sua revisão das maiores invenções do século em 1999, a revista “The Economist” destacava o papel que a pílula teve na liberdade das mulheres. Os dados acima mostram que a pílula teve outro efeito enorme: causou uma revolução efectiva na cultura, no papel e no sucesso das mulheres no mercado de trabalho. Foi a 15 de Outubro de 1951 que Carl Djerassi sintetizou no seu laboratório o primeiro anticonceptivo oral. Fez este mês 55 anos.

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