sexta-feira, dezembro 29, 2006

Carta ao Mark Zuckerberg

Publicado no Diário Económico a 31/10/2006.

Meu caro Mark,

Provavelmente não te lembras de mim, mas encontramo-nos há quase 4 anos em Harvard. Almoçámos com uns alunos meus que te conheciam. Na altura eu era tutor de Economia e tu eras um aluno no curso de informática. Quem diria: o centro de todas as conversas nos últimos dias em Silicon Valley é aquele rapaz judeu franzino que falava pelos cotovelos e bebia sumo de maçã por uma palhinha.

Os meus parabéns. Tens 22 anos e estás em conversações com a Yahoo para vender a tua companhia ‘facebook.com’. Já recusaste uma oferta de mil milhões de dólares e diz-se que o negócio está iminente por cerca de 1,4 a 2 mil milhões. Sabes que, no meu pequeno país, saltavas imediatamente para o topo da lista dos mais ricos, a uma grande distância do segundo. A pessoa mais rica em Portugal tem um império com hipermercados, um operador de telemóveis, e várias indústrias que criou com sacrifício desde menino. Ele frequenta regularmente as melhores universidades, tem a família toda a trabalhar com ele, e dizem que quase não dorme. Tu, em contrapartida, abriste o ‘facebook.com’ em Fevereiro de 2004, desististe da universidade no fim do segundo ano, e provavelmente ainda nunca tiveste uma namorada (acredita em mim, isso vai mudar). De acordo com os rumores, deixaste escapar as negociações com a Microsoft porque eles insistiam em marcar reuniões para as 8 da manhã às quais tu faltavas porque não conseguias acordar a horas.

Tu bem dizias que ias ser o próximo Bill Gates, mas sabes, aqui entre nós, ninguém te levava muito a sério. Na altura, tinhas aqueles problemas disciplinares por causa do ‘site’ ‘facemash.com’ que tinhas criado. Tenho de confessar que achei a ideia engraçada: a cada clique, pôr duas fotografias de alunos no ecrã tiradas à sorte, e perguntar qual dos dois é o mais atraente. Afinal, a edição de maior sucesso do jornal dos estudantes é a que elege os cinco professores mais ‘sexy’. Mas, temos de convir que a universidade tinha alguma razão quando ameaçou expulsar-te: o ‘site’ sempre era sexista, humilhante para muitos, e as fotografias oficiais da base de dados da universidade eram privadas.

Para além disso, uns meses depois, soube que estavas prestes a chumbar às tuas cadeiras porque não aparecias nas aulas. Os “génios dos computadores” que eu conhecia consideravam-te um programador medíocre. Por isso concluí: “Este moço não vai a lado nenhum!” Ficarás com certeza feliz por saber que as minhas capacidades de avaliação de pessoas e previsão do futuro continuam soberbas…

Foi crucial nesta aventura encontrar investidores. Como tu bem sabes, não têm faltado inovações tecnológicas nos últimos 30 anos. O que mudou recentemente foi a capacidade de as trazer rapidamente para o mercado. No final dos anos 80, os EUA empreenderam uma profunda e corajosa liberalização e desregulamentação dos mercados financeiros. Os bancos deixaram de dominar o mercado, e multiplicaram-se as empresas de ‘venture capital’ com visão e milhões para investir. O sistema judicial também estava preparado: era fácil e eficaz investir, e sobretudo retirar rapidamente o dinheiro de uma empresa, e assim recompensar os bem-sucedidos e castigar os ineficientes.

Por isso, quando surgiram as inovações ligadas à Internet nos últimos dez anos, não faltou dinheiro para as explorar e desenvolver, traduzindo-as em riqueza e crescimento. Havia investidores, como os que tu encontraste, dispostos a dar-te 13 milhões de dólares, apesar de tu nem sequer teres a idade mínima legal para consumir bebidas alcoólicas. No meu país, continua-se a discutir as margens de lucro dos bancos e a tolerar um sistema de Justiça que asfixia o funcionamento do mercado. Faz-se muito pouco para liberalizar o sistema financeiro e tem-se medo de reformar e agilizar a justiça.

Entretanto, deixa-me dar-te um conselho: aceita as ofertas e foge com o dinheiro. Mais cedo ou mais tarde, a Yahoo vai perceber que pagar quase $200 por cada um dos teus utilizadores (que a qualquer altura podem desaparecer para outro ‘site’) é uma loucura. Mas, tendo em conta que tu estás prestes a tornar-te um bilionário enquanto eu nem sequer tenho dinheiro para comprar uma casa, às tantas é melhor ignorares os meus conselhos de negócios.

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