terça-feira, junho 26, 2007

Copianço

Publicado no Diário Económico a 03/04/2007.

Porque há exames na faculdade? O principal objectivo do professor é que os alunos aumentem os seus conhecimentos. Como também é este o objectivo dos alunos, não deveria ser preciso perder tempo em exames. No entanto, se os alunos, jovens, têm dificuldade em comprometer-se a estudar, porque não conseguem resistir a outras tentações como ir para a praia ou namorar, então a possibilidade de reprovar um exame cria um custo em não estudar. Para evitar este custo, os alunos não cedem às tentações e fazem aquilo que realmente desejam, estudar.

É preciso também dar um inventivo ao professor. É que, no dia do exame, a melhor coisa que o professor pode fazer é entrar na sala e anunciar que o exame está cancelado. Por essa altura, já ninguém vai estudar mais ou menos, e assim evita-se o desperdício de fazer e corrigir exames. O problema é que os alunos antecipam este comportamento e percebem que não vai haver exame. Por isso, não estudam e acabamos todos pior. As universidades arranjaram um mecanismo para corrigir este problema: obrigam todos os professores a fazerem exames e proíbem-nos de os cancelarem.

Existe uma segunda razão para ter exames. A sociedade pede às universidades que sinalizem os alunos que são mais trabalhadores, inteligentes e esforçados. Esta informação é muito valiosa para os futuros empregadores, que assim evitam os enormes custos em avaliar cada candidato a emprego. Para responder a este pedido, as universidades criam obstáculos para os alunos ultrapassarem na forma de exames. Uma licenciatura passa assim a ser um certificado que o aluno passou esses obstáculos, e a média final um sinal mais preciso das dificuldades que teve.

Se os dois objectivos principais dos exames são incentivar o estudo e permitir aos alunos sinalizarem o seu valor, qual é o papel do “copianço”? Se o aluno sabe que, com uma probabilidade positiva, pode copiar sem ser apanhado, então não vai resistir a esta tentação assim como não resistia a ir à praia ou namorar, pelo que deixa de estudar. Por sua vez, se o mercado de trabalho sabe que os alunos copiam, então a licenciatura ou média de curso perdem valor como sinal, porque deixam de distinguir entre os bons alunos e os alunos que copiam bem. Copiar ataca na raiz as duas funções dos exames. Daí o esforço das universidades em combatê-lo. Os únicos beneficiados do estado de “copianço” são os alunos que não têm como objectivo aprender, e os alunos que se apercebem que a universidade vai sinalizar o seu baixo valor pelo que preferem eliminar o sinal na esperança de serem confundidos com outros de maior valor.

Na minha vida, passei por três sistemas de ensino. Em muitas universidades portuguesas, muitos copiam abertamente e quem não ajuda no acto de copiar é visto como mau colega. As regras das universidades tornam difícil condenar um aluno apanhado a copiar e as punições são leves. Em Inglaterra, nas universidades que conheço, os exames têm muitos vigilantes e regras rígidas. O sistema de exames é custoso (e por isso os exames raros) mas é muito difícil copiar. Nas universidades de topo nos EUA, em contrapartida, a vigilância é baixa. Em Princeton, o professor é obrigado a deixar os alunos sozinhos na sala durante o exame. Vigiá-los seria uma falta de confiança, até porque todos assinam no topo da folha de resposta uma jura de que se vão comportar de uma forma honrada. Mas se alguém é apanhado a copiar (ou porque foi denunciado por um colega ou porque as respostas o tornam óbvio) então a punição é muito severa–pelo menos suspensão por um ano e talvez expulsão.

Estas diferenças entre sistemas de combate ao “copianço” capturam diferentes atitudes perante a regulamentação: (1) não regular e tolerar a ineficiência do mercado; (2) regular de uma forma severa mas com grandes custos de implementação; ou (3) deixar o mercado auto-regular-se mas punir severamente os poucos incidentes. Nos mais diversos domínios, da justiça, à fiscalização, ou à regulação da economia, as sociedades escolhem entre estas três abordagens.

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