segunda-feira, março 19, 2007

O relatório Stern

Publicado no Diário Económico a 20/03/2007.

No recente encontro da Comissão Europeia esteve em destaque o ambiente, e em especial o relatório do economista Nicholas Stern que calculou os custos das mudanças climáticas. Stern estimou custos enormes que exigem uma intervenção imediata.

O relatório Stern despoletou uma discussão acesa entre economistas. Embora, como sempre nos debates climáticos, haja quem dispute as previsões dos meteorologistas ou quem proponha diferentes soluções mais ou menos graduais e moderadas, o debate entre economistas tem-se centrado sobre como “descontar” riscos futuros.

Correndo o risco de simplificar excessivamente, o relatório Stern prevê que, dentro de 100 anos, as mudanças climáticas vão custar em média cerca de 5% do PIB, enquanto resolver o problema hoje custa cerca de 1% do PIB. Vale a pena? Para comparar benefícios futuros com custos presentes é preciso convertê-los nas mesmas unidades porque dinheiro amanhã não é igual a dinheiro hoje. Os economistas chamam ao problema de converter quantias futuras em dinheiro presente “descontar”.

A resposta convencional é a seguinte: dinheiro hoje ganha juros a uma taxa real anual, r, enquanto o PIB cresce a uma taxa média, g. Logo, se em vez de curar o aquecimento global hoje, antes investirmos o dinheiro na economia, este dinheiro como rácio do PIB vai crescer aproximadamente à taxa anual r-g. Podemos então calcular quanto dinheiro teríamos dentro de 100 anos, e ver se esta quantia é maior do que 5% do PIB. O mesmo argumento em reverso permite exprimir em dinheiro hoje as despesas futuras, efectivamente “descontando” o dinheiro futuro à taxa r-g. É no valor de r-g para os próximos 100 anos que assenta a discórdia.

Stern usa um resultado em economia que diz que, nalgumas circunstâncias, r-g é igual à taxa de impaciência. Responda à seguinte pergunta: pode receber 100 euros hoje ou 100+x euros daqui a um ano. Quanto é que x tem de ser pelo menos para você preferir receber o dinheiro daqui a um ano em vez de agora? O valor x é a sua taxa de impaciência. Stern assume que x=0,1% argumentando que o futuro é quase tão valioso como o presente. De acordo com ele, um valor de x mais alto do que este é imoral porque implica que você desconta muito o bem-estar futuro dos seus filhos em relação ao seu. Com r-g=0,1%, então 5% do PIB daqui a 100 anos valem 4,5% do PIB hoje, pelo que vale a pena resolver o problema já.

A maior parte dos economistas discordam. Olhando para os dados sobre o crescimento da economia e o retorno na bolsa nos últimos 100 anos, r-g está mais próximo de ser 4%. Por sua vez, dezenas de experiências económicas e o facto de as pessoas pouparem pouco, implicam que r-g está entre 2% e 4%. Com r-g=4%, os custos futuros do aquecimento global só valem 0,1% do PIB hoje. Não vale a pena resolver o problema, pelo menos por enquanto.

Há uma terceira perspectiva que acha que Stern está certo pelas razões erradas. Há uma enorme incerteza quanto ao futuro não só em relação aos custos do aquecimento global, como também quanto à taxa de crescimento económico no próximo século. Esta segunda incerteza acaba por ser mais importante para os números do que a primeira. Se achamos que, por causa das mudanças climáticas ou por outra razão, o crescimento a que nos habituámos desde a revolução industrial pode desaparecer, então os custos futuros são muito mais relevantes. Neste caso, o retorno num investimento nos próximos 100 anos é bem mais baixo do que o retorno nos últimos 100 anos, e passa a ser bem mais rentável resolver um problema hoje quando somos ricos do que num futuro em que podemos ser pobres. A taxa de desconto é menor e pode mesmo chegar aos valores de Stern.

Também em economia, o debate sobre o aquecimento global é por isso um debate sobre catástrofes. Os cenários em que as mudanças climáticas comprometem o crescimento económico são os que justificam acções extremas e imediatas. Quase por definição, estes são também os cenários mais difíceis de prever, quer no seu impacto quer na probabilidade de ocorrerem.

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