segunda-feira, março 19, 2007

PT sem dinheiro para investir?

Publicado no Diário Económico a 06/03/2007.

Depois de muitas peripécias, parece ter chegado ao fim a OPA da Sonae sobre a PT. Como resultado da luta pelo controlo da empresa, os accionistas vão receber mais, quer em dividendos, quer pela compra de acções próprias a um preço generoso. Este novo pacote de remuneração, prometido pela actual administração, causou alguma apreensão na imprensa. Ele retira fundos à PT e pode comprometer investimentos no futuro. Mas, será que em geral uma empresa com menos fundos investe menos?

Um famoso teorema em finanças, de Modigliani e Miller, diz que não. Se a PT tiver oportunidades de investimento com um bom retorno, pode simplesmente ir ao mercado para se financiar emitindo acções e obrigações ou contraindo empréstimos. Desde que o investimento seja rentável, num mercado de capitais perfeito não deveriam faltar investidores.

Este resultado é um importante ponto de partida, mas sabemos também que não descreve a realidade. Existem centenas de estudos que documentam que o custo de financiar um investimento usando fontes externas à empresa excede o custo usando fundos internos. Logo, com menos fundos internos, a PT investirá menos. Mas será que isto é mau?

Para responder, temos de perceber o que está por detrás da discrepância entre os custos de financiamento externo e interno. As explicações mais bem-sucedidas apontam para as assimetrias de informação entre a empresa e o mercado.

Por exemplo, imagine que os administradores da empresa estão mais bem informados sobre o seu valor do que o mercado, e estão mais empenhados em proteger os interesses dos seus accionistas presentes do que os interesses dos investidores futuros (premissas razoáveis no caso da PT). Nesse caso, os gestores vão esperar por uma altura em que o preço das acções esteja sobrevalorizado para emitir novas acções porque assim podem financiar os seus projectos a um custo menor. Como o mercado percebe isso, o anúncio de uma venda de acções é interpretado como um mau sinal e o preço cai em flecha. Por isso, os gestores vão ser relutantes em emitir novas acções preferindo usar fundos internos. (Um argumento semelhante aplica-se aos empréstimos. Se o gestor está melhor informado sobre a possibilidade de incumprimento, o banco interpreta o pedido de um novo empréstimo como um mau sinal.) Esta assimetria de informação leva a que o financiamento externo seja custoso e evitado, pelo que a falta de fundos internos limita o investimento de uma forma prejudicial.

Existem no entanto outras assimetrias de informação com uma conclusão diferente. Por exemplo, imagine que os administradores estão interessados em fazer da empresa um império com enorme volume de negócios e milhares de empregados. (Tendo em conta a dimensão da PT e sua dispersão em negócios diferentes, esta não é uma hipótese completamente disparatada.) Então, eles vão privilegiar grandes investimentos em projectos que aumentem a dimensão da empresa mesmo que prejudiquem a sua rentabilidade. O mercado vai cobrar um preço maior para financiar estes projectos. Os accionistas, ao retirarem fundos da empresa, disciplinam os administradores.

Alternativamente, pode ser que os administradores até tenham as mesmas intenções do que os accionistas, mas sejam demasiado optimistas e auto-confiantes. Esta hipótese não e de todo descabida: quem chega a administrador da PT provavelmente tomou grandes riscos no passado e sabemos como as pessoas preferem justificar o seu sucesso com mérito próprio em vez de sorte, esquecendo-se dos muitos outros que tomaram os mesmos riscos mas ficaram pelo caminho. (As afirmações a quente dos administradores da PT durante a luta em torno da OPA não afastam esta possibilidade.) Neste caso, a falta de fundos internos pode de novo ser benéfica. Ela impede que os sobre-optimistas administradores façam investimentos menos ajuizados.

Por isso, embora seja de esperar que a PT tenha menos dinheiro para investir, não é óbvio se isto é mau ou bom. Tanto pode significar menos investimento lucrativos, como menos investimentos ruinosos.

1 comentário:

Fábio disse...

Durante a defesa face à ofensiva da Sonae, não me pareceu que a PT tivesse como trunfo as suas investidas no Brasil ou em África. Antes enveredou por uma redução de custos da empresa e ofereceu um pacote de benefícios aos seus accionistas (para além da dinamização da rede fixa, o que na prática significa uma perda para a Vodafone e Optimus). Inclino-me, portanto, para a segunda hipótese que sugere no final do artigo. Suponho também que os investidores da PT tenham a possibilidade de aplicar capital nas telecoms sul-americanas ou africanas, investindo em fundos centrados nesses mercados.