segunda-feira, março 19, 2007

O dinheiro dos músicos

Publicado no Diário Económico a 06/02/2007.

Já alguma vez se perguntou porque é que os músicos nunca parecem preocupados com o 'download' ilegal de músicas? Ao contrário das editoras, que correm para os tribunais e perseguem os ladrões, raramente se ouve um músico queixar-se. Até há pouco tempo, a minha explicação era que os músicos querem manter boa imagem com os fãs, pelo que deixam para as editoras o trabalho sujo de perseguir adolescentes criminosos. Recentemente, uns colegas convenceram-me que há outra razão mais poderosa.

A produção de um álbum envolve um contrato muito especial entre os músicos e a editora. Os artistas recebem um adiantamento na assinatura do contrato, mas ficam responsáveis por pagar todos os custos da gravação em estúdio. Na maioria dos casos, os custos excedem o adiantamento, pelo que antes de verem o primeiro CD, os músicos já estão a dever dinheiro à editora. Os músicos recebem uma percentagem das vendas (cerca de 13 ou 14%), mas esta só se aplica às vendas a preço sem saldos, e eles têm de dar ao produtor cerca de 4%. Por cada CD a 15 euros, eles acabam só com entre 50 cêntimos a 1 euro com os quais ainda têm de pagar à editora as despesas de promoção do disco. Esta, naturalmente, tem todo o incentivo em inflacionar as despesas. (No início dos anos 80, os Beatles receberam $19 milhões em tribunal da EMI por manipulação de contas.)

O que é que sobra para a banda? Praticamente nada. Só os artistas mais famosos é que ganham dinheiro a vender CDs, porque impõem melhores condições à editora e porque o volume de vendas é suficientemente alto. Os outros ficam frequentemente numa situação caricata: em dívida para com a editora, que cobra o crédito sobre álbuns futuros.

A saída das dívidas é seguir o conselho de Scott Welch, 'manager' de Alanis Morisette: “O top 10% de artistas ganham dinheiro a vender discos, os outros vão em tournée.” Nos concertos, as condições são bem mais favoráveis para os músicos. Após a banda e o promotor cobrirem cada um uma quantia inicial, as outras receitas de bilheteira são repartidas, 85% para o promotor e 15% para a banda (negociáveis). Os músicos recebem todas as receitas de 'merchandising' e o promotor recebe todas as receitas na venda de bebidas.

Olhando para as receitas dos 35 artistas mais bem sucedidos em 2002, descobrimos que eles receberam 7,5 vezes mais em concertos do que em CDs. Isto apesar de (em 2003) as vendas de álbuns terem sido $11,8 mil milhões enquanto as receitas de concertos foram só $2,1 mil milhões. Para dar um exemplo, no terceiro lugar da lista está a Dave Mathews Band, que apesar de ter ganho 0 na venda de discos, embolsou $27,9 milhões em concertos. Em contrapartida, Jay-Z vendeu mais CDs do que ninguém ($12,7 milhões) mas o fraco rendimento em concertos coloca-o só no 8º lugar na lista.

O que é que isto implica para os 'downloads' ilegais? Se estes promovem a banda e aumentam o público nos concertos, podem compensar a quebra nas receitas de venda de CDs. Vemos isto nos preços dos bilhetes. Após subirem apenas 1% acima da inflação entre 1981 e 1996, subiram 6,6% por ano em termos reais desde então. Comparando diferentes tipos de música, a maior parte dos 'downloads' ilegais são de pop, não de jazz. Ora, o preço dos concertos de jazz aumentou só 2% por ano, enquanto o preço de pop subiu a 10% por ano.

O facto de os músicos ganharem quase todo o seu dinheiro em concertos tem outras implicações curiosas. Adivinhe quem ganhou mais em 2002? Paul McCartney ($72 milhões) seguido dos Rolling Stones ($44 milhões). Apesar de quase não venderem discos, têm uma “torneira de dinheiro” no seu público fiel entre os 30 e os 60 anos, suficientemente numeroso para esgotar concertos e suficientemente rico para pagar 4 vezes mais por bilhete do que um adolescente. A Britney Spears pode estar na capa das revistas, mas os velhinhos Eagles, Billy Joel e Neil Diamond ganharam cada um quase o dobro do que ela em 2002.

Em 2005, uma só banda arrecadou 10% de todas as receitas em concertos. Quem? A banda-rainha da pop para adultos com dinheiro: os U2.

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