terça-feira, junho 26, 2007

Terá Teixeira dos Santos razão?

Publicado no Diário Económico a 15/05/2007.

Na semana passada, a Comissão Europeia anunciou que prevê um défice fiscal em Portugal de 3,5% do PIB em 2007, 0,2% acima das previsões do Governo. Este reagiu, acusando a Comissão de ser demasiado cautelosa nas suas previsões e de errar de uma forma sistemática e significativa a respeito de Portugal.

Normalmente, é melhor ignorar as acusações dos políticos à Comissão quando ela traz más notícias. Mas neste caso, as palavras fortes vieram de Teixeira dos Santos, que para além de professor de economia, é também fundador do CEMPRE, um instituto de previsões macroeconómicas que faz boa investigação em Portugal. Decidi por isso levar a sério as palavras do ministro das finanças.

Comecei por obter os dados com as previsões de primavera da Comissão para o défice nos 15 principais países da União Europeia. Existem previsões desde 1999, e os últimos dados finais sobre os défices são de 2005, logo 7 anos de informação. No relatório anual, a Comissão apresenta as suas previsões até ao final desse ano, assim como para o ano seguinte. Analisei ambas (com resultados semelhantes), mas aqui vou só descrever as primeiras, porque foi a estas que o ministro se referiu. Submeti as previsões da Comissão a cinco testes:

1. As previsões são úteis? Uma forma simples de responder a esta pergunta é comparar as previsões com uma alternativa ingénua. Imagine que o meu palpite para o défice em 2007 é o valor do défice em 2006. Não preciso de economistas, modelos ou dinheiro dos contribuintes: basta-me ler no DE o valor do défice no ano passado. Comparando a performance das previsões da Comissão com a dos meus palpites ingénuos, a Comissão é em média 31% mais certeira. Passa.

2. As previsões usam a informação de forma eficiente? Um teste desta hipótese consiste em ver se os erros de previsão (a diferença entre o actual e o previsto) estão sistematicamente relacionados com a própria previsão. Porque a previsão da Comissão resume a informação que ela tinha, se for possível usá-la para prever erros sistemáticos, então a informação não está a ser eficientemente usada. Submetidas a este teste, as previsões da Comissão falham rotundamente. De acordo com os dados, a probabilidade de a Comissão estar a usar a sua informação de forma eficiente está abaixo de 3%. Reprova.

3. As previsões ignoram informação útil? Há uma quantidade infindável de informação potencialmente útil, pelo que não há uma resposta conclusiva. Mas há um pedaço de informação particularmente saliente. A comissão em 2006 previu o défice em Portugal em 2007, e esta previsão passada não só deveria ser útil como também estava obviamente disponível quando a Comissão reviu a sua previsão na semana passada. Podemos por isso perguntar se a Comissão ignora a informação que tinha um ano antes. Testes estatísticos confirmam que esta informação está incluída. Passa.

4. Os erros persistem? Uma boa previsão tanto pode estar acima como abaixo do alvo. Se erra num sentido num ano, isto não deveria dizer nada sobre o sentido em que vai errar no ano seguinte. Nos dados, no entanto, os erros da Comissão tendem a persistir. Se este ano, a comissão prevê um défice 1% acima do actual, então com 95% de probabilidade vai exagerar na previsão do próximo ano entre 0,13% e 0,63%. Reprova.

5. As previsões são enviesadas? Esta é a acusação mais severa. Nos dados, não há provas de que seja verdade: em média as previsões da Comissão estão só ligeiramente abaixo do actual. Mas, quando separei a análise por país, descobri que esta média esconde diferenças no tratamento de cada país. Porque não acreditei nos resultados iniciais, tentei diferentes métodos e testes estatísticos, mas a resposta foi sempre a mesma: a comissão sobre-prevê o défice em Portugal sistematicamente em cerca de 0,4%! (Mais severa, só com a Grécia, e no outro extremo, demasiado optimista com o Luxemburgo.) Reprova muito.

Ainda não há dados suficientes para tirar conclusões definitivas. Mas é caso para dizer que Teixeira dos Santos talvez até tenha razão...

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