terça-feira, junho 26, 2007

Reformas fiscais originais

Publicado no Diário Económico a 29/05/2007.

Há 8 meses atrás, descrevi nesta coluna as virtudes de uma taxa fixa para o IRS. Há 10 meses, numa entrevista à Visão, notei que seria mais eficiente ter um sistema fiscal sem IRS que taxasse apenas o consumo através do IVA. (Estas duas propostas, aparentemente diferentes, são na realidade muito semelhantes.) Há cerca de um mês, Tiago Mendes reiterou os argumentos a favor da taxa fixa no DE, e na passada sexta-feira, Luís Aguiar-Conraria defendeu a substituição do IRS pelo IVA no Público.

Como não há duas sem três, e enquanto tenho a vossa atenção, deixem-me sugerir mais uma reforma fiscal. O imposto ideal em teoria é um imposto por cabeça: todos pagam exactamente a mesma quantia. Porque a quantia que eu pago não depende do que eu faço, este imposto não afecta nenhuma das minhas acções. Gera receitas sem impor distorções nos comportamentos.

No entanto, quando Margaret Thatcher introduziu no Reino Unido em 1989 um imposto próximo deste ideal, o ‘poll tax’, este não foi bem recebido. Os britânicos insurgiram-se, organizaram manifestações em massa, milhares recusaram-se a pagar, e alguns foram presos por isso. O governo tornou-se tão impopular que o partido conservador retirou o apoio à sua primeira-ministra, precipitando a sua demissão.

Falhado o imposto por cabeça, repare que quanto mais um imposto altere o comportamento de uma pessoa, maior a sua distorção. Logo, a taxa de imposto sobre os rendimentos deve ser menor para aqueles cujo trabalho seja mais sensível ao seu salário. Estas pessoas respondem à redução no salário depois de impostos trabalhando bastante menos, através de menos horas extraordinárias e biscates, ou mesmo deixando de trabalhar para estudar ou ficar em casa. Por isso, um aumento na taxa de imposto sobre os rendimentos destas pessoas não só reduz os impostos recebidos pelo Estado, pois menos trabalho leva a menos rendimentos sobre os quais cobrar imposto, como também induz uma grande distorção na economia levando a que se trabalhe, produza e enriqueça menos.

Imagine agora que existem dois tipos de pessoas igualmente numerosos, A e B, sendo que os A têm uma oferta de trabalho mais sensível ao salário do que os B. Considere então reduzir a taxa de imposto sobre os A e subir a taxa dos B. Sabemos que a redução no trabalho e rendimento dos B é mais pequena do que o aumento no trabalho e rendimento dos A. Mas então, a taxa de imposto sobre os B pode subir menos do que a taxa de imposto sobre os A desce. Reduz-se a taxa média de imposto na população, e mesmo assim obtém-se as mesmas receitas. Para além disso, reduzem-se as distorções induzidas pelos impostos e estimula-se a riqueza. Perfeito!

Mas será que existem dois grupos assim, fáceis de identificar e sem hipóteses de fingir serem todos do tipo A para fugirem aos impostos? Há, e são bem conhecidos. Os A são as mulheres e os B os homens. É um facto que, quer ganhem mais ou menos, os homens trabalham aproximadamente as mesmas horas no emprego. Já as mulheres reagem a um corte no salário trabalhando menos horas ou deixando completamente o emprego, substituindo o trabalho no mercado por trabalho em casa na manutenção da habitação ou na educação dos filhos. Os economistas Alesina e Ichino calculam que para Itália, a taxa de imposto ideal sobre os homens seria entre 2 a 2,5 vezes maior do que a taxa sobre as mulheres.

Esta reforma pode parecer chocante. Afinal, ela implica uma forma de discriminação sexual. No entanto, havendo tantas outras formas de discriminação contra as mulheres, qual é o problema de haver uma no sentido contrário, ainda para mais quando esta aumenta a eficiência e a riqueza de todos? Para além disso, como muitas mulheres partilham um lar com um homem, as perdas dele são mais do que compensadas pelos ganhos dela, pelo que a família e a sociedade no seu todo ficam a ganhar.

O argumento a favor de uma taxa única sobre os rendimentos, maior para os homens do que para as mulheres, é forte. No entanto, tenho receio de o sugerir a José Sócrates. Não quero que lhe aconteça o mesmo que a Thatcher.

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