sábado, abril 05, 2008

Futebol feminino

Publicado no Diário Económico a 18/12/2007.

Este ano, jogou-se na China o campeonato do mundo de futebol feminino. A Alemanha sagrou-se campeã, mas a grande surpresa foi a eliminação dos EUA pelo Brasil nas meias-finais. Os EUA são a maior potência do futebol feminino, tendo já ganho duas taças, sem nunca ficar abaixo do terceiro lugar nos cinco campeonatos já realizados.

À primeira vista, este domínio americano no futebol feminino é surpreendente. Afinal, nos EUA o futebol não é sequer um dos três desportos mais populares. O desporto-rei do resto do mundo praticamente nunca é notícia nos principais canais americanos. A selecção masculina parece estar a décadas de conseguir ganhar seja o que for.

A principal razão por detrás do sucesso do futebol feminino nos EUA é o grande número de adolescentes que praticam o desporto. O futebol é um dos poucos desportos nos EUA onde a taxa de participação das raparigas está ao mesmo nível da dos rapazes.

Nem sempre foi assim. Em 1970, o número de raparigas que jogavam futebol era quase zero, enquanto 78 mil rapazes se dedicavam ao desporto. Mas, em 1972, foi aprovado o “Título IX”, uma lei que, como poucas outras, mudou radicalmente o desporto e a sociedade. O Título IX, afirma (tradução minha) que “Nenhuma pessoa nos Estados Unidos pode, com base no seu sexo, ser excluída de participar em, negada os benefícios de, ou ser sujeita a discriminação em qualquer instituição de educação que receba assistência financeira”. Como a economista Betsey Stevenson descreve, a interpretação e aplicação da lei a partir de 1978 exige que: (I) as escolas satisfaçam a procura de actividades desportivas por raparigas, (II) a composição sexual dos praticantes de desporto corresponda à composição sexual dos alunos em geral, e (III) quando isto não for possível, que haja uma história de evolução nesse sentido.

Para manterem as suas equipas masculinas de desporto, as escolas e as universidades tiveram de aumentar o número de atletas femininos. Criaram-se equipas femininas de ténis, basquetebol, atletismo e basebol (na versão ‘soft-ball’) com um número de jogadores semelhante às equipas masculinas.

Um problema bicudo era o que fazer acerca do futebol americano. Embora este seja o desporto mais popular entre rapazes, o nível de contacto físico e as lesões frequentes não desencorajavam as raparigas. Uma equipa normal de futebol americano tem cerca de 50 jogadores, e como as lesões são frequentes, manter uma equipa exige ter pelo menos mais uma ou duas dúzias disponíveis. O único desporto que, em contraponto, era mais popular entre raparigas do que rapazes era o voleibol, mas uma equipa só ocupa uma dúzia de atletas.

Foi para corrigir este desequilíbrio no número de atletas dos dois sexos que as escolas decidiram promover o futebol entre as suas alunas. O futebol ocupava muitos atletas (uma equipa normal tem cerca de duas dúzias), era apreciado pelas raparigas, e podia ser jogado desde muito cedo. A sua popularidade com as raparigas americanas foi de tal ordem que, quando se jogou o primeiro campeonato mundial em 1991, menos de 20 anos depois do Título IX, os EUA já eram a maior potência mundial no desporto.

Alguns economistas têm demonstrado que esta expansão do desporto feminino, e do futebol em particular, trouxe uma série de benefícios. Existem estudos que mostram que a prática de desporto durante o ensino secundário está associada a mais anos de educação, maior taxa de emprego, e salários mais altos. Outros estudos descobriram que o aumento da prática de desporto no ensino secundário devido ao Título IX teve efeitos benéficos na saúde das raparigas, quer no seu peso, quer no seu índice de massa corporal.

A imposição de quotas para mulheres em diferentes contextos frequentemente leva a resultados desapontantes, por vezes mesmo contraproducentes. O Título IX é uma das poucas excepções a esta regra. Uma lição desta experiência é que parece ser mais eficaz permitir que as instituições se adaptem a princípios gerais como os do Título IX, do que impor quotas rígidas com alvos estreitos.

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