sábado, abril 05, 2008

Não há fogo sem fumo

Publicado no Diário Económico a 15/01/2008.

É um facto bem conhecido que a proporção de fumadores é maior entre as pessoas com menos anos de educação e baixos rendimentos. Depois de ler a imprensa nas últimas semanas, aprendi que existe outra característica que se pode associar aos fumadores: escrevem colunas para os jornais.

Li alguns comentários sensatos e outros que nem por isso. No Diário Económico, Domingos Amaral defende que “o perigo dos cigarros para os fumadores passivos é uma das maiores falácias dos últimos cinquenta anos”. O que passa por senso comum é afinal “pura propaganda mentirosa”. Não seria a primeira vez que o que todos tomam por verdade inquestionável afinal tem pés de barro. Pus por isso mãos à obra para ver quem tem razão: Amaral ou o senso comum.

1. Amaral escreve “Nunca ninguém morreu ou teve complicações de saúde por ter estado exposto ao fumo de um cigarro”. Duas boas fontes são a americana “Environmental Protection Agency” (EPA) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) da ONU. A EPA é uma referência global pelo cuidado dos seus relatórios e o gabarito dos seus especialistas, enquanto a OMS é o principal lugar no mundo de encontro para os investigadores de saúde pública.

Em 1993, depois de examinar 30 estudos, a EPA emitiu um famoso relatório confirmando a ligação entre o fumo passivo e o cancro do pulmão. Por isso, classificou o fumo passivo no mesmo nível de perigo do que o amianto e estimou que causava 3.000 mortes por ano nos EUA, e 150.000 a 300.000 casos de crianças com bronquite ou pneumonia. A OMS, no seu ‘website’ afirma peremptoriamente que a ligação entre fumo passivo e problemas de saúde é das mais sólidas no campo da epidemiologia.


2. Amaral escreve “Não há em todo o mundo um único estudo científico que prove que os fumadores passivos sofrem danos na sua saúde motivados pelo tabaco.” Depois de algumas pesquisas, descobri cerca de 100 estudos que mostram o contrário (deixei de contar nessa altura). Li uns 25 e descobri, por exemplo, que: (I) casar com um fumador aumenta o risco de ter cancro do pulmão em 26% (no “British Journal of Medicine”, 1997), (II) leva a pneumonia pneumococos (no “New England Journal of Medicine”, 2000), (III) retarda o crescimento de um feto de mãe que não fuma e pai que fuma (no “American Journal of Public Health”, 1996), (iv) causa asma nas crianças (no “New England Journal of Medicine”, 1993), e (v) aumenta o riso de doenças cardíacas nas mulheres de fumadores (no “American Journal of Public Health”, 1996). A lista acima foi escolhida propositadamente para incluir as mais prestigiadas revistas de medicina.

Achei alguns destes estudos fracos, sobretudo por terem pouco cuidado em estabelecer causalidade ou em excluir estatisticamente hipóteses alternativas. No entanto, descobri também estudos fisiológicos, por exemplo usando ratos. Impressionaram-me pela sua qualidade alguns estudos que mostram que o fumo passivo inibe o funcionamento das células endoteliais que temos em todos os vasos sanguíneos. Por isso, prejudica a resposta do corpo a danos vasculares e aumenta a incidência de AVC.


3. Por fim, Amaral escreve que “É verdade que os fumadores têm mais doenças pulmonares, mas só os activos. Entre os passivos não há qualquer registo de dramas.” Um importante artigo de Otsuka e colegas em 2001 no “Journal of the American Medical Association” mostrou que a disfunção no endotélio que resulta de estar exposto a fumo passivo 30 minutos por dia, é quase a mesma que fumar activamente. A revista “Circulation” em 2005 resumia os estudos nesta área concluindo que o fumo passivo aumenta o risco de doenças coronárias em 30%, cerca de 80% do efeito em fumadores activos.

Depois de passar o dia a ler, não tenho dúvidas: o senso comum ganha a Amaral por KO. Mas de onde vêm as impressões falsas? A revista “Lancet” de 2000 revela os documentos confidenciais das tabaqueiras feitos públicos durante processos judiciais. Para lidar com um investigação internacional acerca dos efeitos do fumo passivo, a Philip Morris orçamentou 4 milhões dolares para financiar “estudos” que rejeitassem o consenso científico.

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