sábado, abril 05, 2008

Inovação, crises e regulação

Publicado no Diário Económico a 21/01/2008.

O sistema financeiro é central na economia. Três dos papéis mais importantes que desempenha são a produção de informação, a transferência de risco e a diversificação de risco.

A produção de informação consiste, por exemplo, no trabalho que um banco tem para distinguir entre bons e maus devedores, e para garantir a cobrança dos empréstimos. A transferência de risco acontece entre pessoas a quem este afecta de forma diferente. Por exemplo, um estudante português nos EUA com uma bolsa em euros sofre quando o euro desce. Mas por sua vez, um estudante americano na Europa ganha quando isto acontece. No mercado financeiro, os dois estudantes podem transferir o risco entre si para que nenhum dos dois tenha de se preocupar com a taxa de câmbio. Por fim, a diversificação do risco ocorre porque embora haja incerteza em relação a quando (e se) eu vou deixar de pagar o empréstimo da minha casa, existe alguma regularidade no número de empréstimos malparados em cada mês. Por isso, se a instituição financeira detiver uma carteira suficientemente grande e diversa de empréstimos à habitação, correrá pouco risco.

O reverso da medalha destes três papéis fundamentais são os abusos a que o sistema financeiro está sujeito. Porque produzem informação, os agentes financeiros podem escondê-la, falsificá-la, ou inventá-la, tudo isto a troco de lucro. Porque transferem risco, as instituições financeiras podem antes concentrá-lo nas suas mãos para fazer apostas arriscadas. E porque diversificam o risco, as empresas financeiras podem propositadamente descurar-se, aumentando o risco das suas carteiras em troco de um maior retorno.

Por causa destes abusos, o sector financeiro é talvez o mais regulado em toda a economia. As tropelias da ASAE, a que estão sujeitos os cafés de esquina, são coisa pouca, quando comparadas com a regulamentação e fiscalização das instituições financeiras.

Apesar desta regulamentação, os escândalos e crises financeiras continuam a existir. É fácil prever que, da mesma forma que na última década tivemos a falência da Enron, o colapso dos países do sudeste asiático, e as perdas dos bancos no mercado ‘subprime’, também na próxima década não vão faltar casos.

Por um lado, quantas mais as regras maior o retorno para a pessoa que, mais cedo ou mais tarde, descobre a forma de as contornar. As quantias envolvidas no sistema financeiro garantem que isto vai acontecer mais cedo em vez de mais tarde. Por outro lado, os grandes progressos tecnológicos nas últimas décadas têm sido precisamente na capacidade de produzir, organizar e explorar informação, assim como na gestão do risco.

Por isso, a inovação no sistema financeiro tem sido extraordinária. Cada vez que se cria um novo produto, surgem novos riscos que não são imediatamente compreendidos e são difíceis de regulamentar.

As crises podem ser inevitáveis, mas não se deve exagerar no pessimismo. A inovação financeira pode trazer crises mas também traz novas oportunidades, maior eficiência e aumentos no bem-estar. Como resultado da inovação financeira, cada vez mais pessoas têm acesso a crédito quando precisam e estão protegidas de um número crescente de riscos.

Para usar uma analogia, quando se inventaram os ‘airbags’ salvaram-se muitas vidas. Mas também aumentou o número de acidentes, porque as pessoas começaram a conduzir mais depressa e as regras do trânsito demoraram a adaptar-se. No total, valeu a pena – assim como vale a pena a inovação financeira, mesmo que traga crises episódicas e trabalho para os reguladores.

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