sábado, abril 05, 2008

Um erro de ‘timing’

Publicado no Diário Económico a 29/01/2008.

Na passada terça-feira, a Reserva Federal Americana (Fed) cortou de surpresa o seu alvo para a taxa de juro no mercado de fundos federais em 0,75%. Desde que o Fed começou a anunciar alvos para a taxa de juro (já vão quase 20 anos) que não havia um corte tão grande. Ainda para mais, a decisão foi tomada uma semana antes da reunião normal do conselho do Fed. Hoje ou amanhã é possível que se anunciem novos cortes.

Porquê este acto inesperado? Desde a última reunião a 11 de Dezembro, têm-se acumulado más notícias sobre o estado da economia americana. Primeiro, o relatório mensal sobre a criação de empregos ficou abaixo das expectativas, depois, as vendas a retalho e a produção industrial pouco cresceram no último trimestre de 2007, e por fim, o sector da construção continua em crise. Perante este cenário, o Fed reviu em baixo as suas expectativas para o crescimento em 2008, motivando uma descida nas taxas de juro.

Apesar desta justificação, esta não deixou de ser uma decisão arriscada. As melhores previsões para o crescimento económico nos EUA em 2008 estão entre 1% e 1,5%, abaixo do crescimento potencial de 2,5-2,7%, mas nada de dramático. A confirmarem-se estas previsões, então não havia razão para uma descida tão abrupta.

Só que há muita incerteza, pelo que se estima também que a probabilidade de uma recessão (crescimento de 0 ou menos) é cerca de 30-50%. Nesse caso, então não só a descida das taxas de juro se justifica, como serão precisos mais cortes. Nas próximas semanas, alguma desta incerteza vai-se resolver com a publicação de novos relatórios sobre o emprego e as vendas a retalho. Se o estado da economia se agravar, a Reserva Federal agiu bem.

Porquê um corte tão grande? Este corte confirma duas mudanças na política monetária da era Bernanke em relação à era Greenspan, que já se vislumbravam há alguns meses. O Fed de Greenspan preferia esperar o máximo de tempo possível antes de mexer nas taxas de juro; o Fed de Bernanke prefere antecipar-se aos acontecimentos. O Fed de Greenspan alterava a taxa de juro de forma gradual, de 0,25% de cada vez em reuniões consecutivas; o Fed de Bernanke muda as taxas de juro quando e quanto for preciso.

A teoria económica está do lado de Bernanke. Porque os efeitos da política monetária na economia demoram 1-2 anos, é preferível agir em antecipação do que em reacção. E se as notícias da economia o justificam, não há razão para não alterar as taxas de juro mais do que 0,25%.

Porquê agir uma semana antes da reunião marcada? Na sequência das perdas nas bolsas do mundo inteiro na segunda-feira (quando o mercado americano esteve fechado por ser feriado) previa-se uma forte descida da bolsa americana na terça-feira. O Fed anunciou a sua decisão 30 minutos antes da abertura dos mercados. É difícil contrariar a impressão de o Fed ter respondido aos movimentos na bolsa.

Na minha opinião, isto é um erro. O Fed não deve reagir aos movimentos diários na bolsa. Não é essa a sua responsabilidade. Apenas se estiver em causa a estabilidade dos mercados de capitais, ou se os movimentos na bolsa forem sinais do estado da inflação ou do crescimento económico, é que se justificaria uma reacção. Não era esse o caso na terça-feira. Para além disso, os mercados de capitais são tão voláteis no curto prazo que prestar-lhes demasiada atenção na política monetária cria incerteza desnecessária.

Para além disso, a intervenção da semana passada deixou a pior mensagem possível. Foi confirmada a impressão, que já vinha do tempo de Alan Greenspan, que o Fed vai intervir a correr para salvar os investidores sempre que se adivinham grandes perdas na bolsa. Só que não só isto não é desejável – os investidores na bolsa escolhem tomar riscos pelo que devem arcar com as perdas quando estas acontecem – como também é traiçoeiro. O Fed não tem instrumentos suficientes para conseguir controlar a bolsa, pelo que inevitavelmente esta expectativa vai ser defraudada. Por isso, a decisão da semana passada foi, acima de tudo, um erro de ‘timing’.

Sem comentários: