segunda-feira, março 30, 2009

O verdadeiro pânico

Publicado no Expresso a 17/1/2009.

Não têm faltado más notícias para Portugal nos últimos tempos: recessão para 2009, desemprego a subir, empresas históricas a fechar. Mas, as notícias mais assustadoras têm vindo dos remotos spreads e ratings, que só agora capturaram a atenção da imprensa.

Nos últimos 10 anos, Portugal transformou-se num país altamente endividado ao exterior. A dívida é cerca de 90% do PIB, e todos os anos acrescentamos 8 a 9%. Se, de repente, os estrangeiros deixassem de nos emprestar este dinheiro, Portugal teria uma crise económica como nunca teve no último século. Fábricas fechadas porque não conseguem importar os materiais necessários, desemprego a saltar para os 20%, revoltas sociais, um ditador populista ao poder. Este cenário parece inconcebível, mas ocorreu na Argentina há poucos anos, quando os números da sua economia tinham semelhanças com a nossa situação.

Porque é que os estrangeiros fariam isso? Quem empresta ao Estado enfrenta dois riscos: a inflação, que implica que o dinheiro que recebo do Estado mais tarde em pagamento vale menos em bens reais; e a falência do Estado que pode não pagar. Desde que entrámos no euro, o primeiro risco desapareceu, e o segundo devia ser mínimo, pois desde o século XIX que o Estado português honra as suas dívidas. Por isso mesmo, desde 1999, a diferença entre a taxa de juro que os portugueses e os alemães pagam nas suas dívidas tem sido quase zero.

Nos últimos meses, aconteceu uma coisa quase impensável: esta diferença, ou spread, trepou para os 1,1%! Este número diz que os mercados internacionais acham que é bem provável que Portugal deixe o euro ou declare falência nos próximos 10 anos. Os dois riscos não são independentes, pois se Portugal não pagar as dívidas, pode ser expulso do euro; basta lembrar que um dos maiores detentores da dívida portuguesa é o próprio BCE. Esta semana, mais uma má notícia, quando a S&P reviu para cima a sua avaliação, ou rating, do risco da dívida portuguesa.

A probabilidade desta catástrofe ainda é pequena. Mas, para quem acompanhou o que aconteceu na Argentina, só o facto de ela estar na mesa é suficiente para fazer perder o sono.

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