segunda-feira, julho 17, 2006

A crise na Segurança Social

Publicado no Diário Económico a 19/1/2006

Na semana passada, o ministro Teixeira dos Santos gerou uma pequena tempestade quando admitiu que o sistema de Segurança Social está perto da falência. Se esta não foi uma tempestade num copo de água (o sistema está mesmo falido e o problema é grave), foi no entanto surpreendente. Afinal, o ministro não disse nada que não estivesse escrito no Livro Branco da Segurança Social de 1997.
Para compreender o problema, é preciso perceber como funciona o nosso sistema de pensões. O sistema é basicamente um toma-lá-dá-cá gigante. Eu hoje pago impostos que são usados imediatamente para pagar as pensões dos reformados. Em troca, recebo a promessa de quando me reformar ter a minha pensão paga pelos impostos dos trabalhadores de então. Se as receitas em impostos são maiores do que as despesas em pensões, como nos anos 80, guarda-se o dinheiro a mais num fundo de reservas. Se as despesas são maiores que as receitas, usa-se esse fundo para cobrir a diferença. Quando o fundo acaba, então, sem dinheiro nem receitas, não há nada a fazer: o sistema fecha as portas.
Segundo as últimas previsões oficiais (muito optimistas), o sistema vai entrar em défice em 2016; o fundo de reservas acaba em 2029. É esta a crise de que falava o ministro. Não é uma crise política, nem uma crise de valores, nem uma crise de nervos. Antes, é uma daquelas crises muito reais: não há dinheiro para pagar as contas.
A razão por detrás da crise é simples mas inevitável: as pessoas vivem mais anos e têm menos filhos. Porque vivem mais anos mas continuam a reformar-se com a mesma idade, existem mais pensionistas. Porque têm menos filhos, há menos pessoas a trabalhar. Mais gente a receber e menos a pagar é igual a défice na segurança social.
O ministro foi também criticado por não ter sugerido soluções. Contudo as alternativas não são agradáveis. A primeira é aumentar as receitas por via dos impostos. Na prática, isso é quase impossível. A carga fiscal já é muito pesada e o efeito que um aumento dos impostos teria no crescimento económico poderia ser devastador.
A segunda solução é reduzir os pagamentos. Uma forma simples de o fazer é aumentar a idade da reforma. De uma cajadada, aumenta-se o número de trabalhadores e diminui-se o número de pensionistas. Mas isto implica defraudar cruelmente pessoas que contam reformar-se daqui a poucos anos e que já têm poucas hipóteses de ajustar os seus planos de vida. Uma alternativa subtil para reduzir as pensões, distribuindo o custo por todas as gerações futuras, consiste em mudar a fórmula de indexação das pensões. De momento, as pensões estão indexadas ao crescimento dos salários e por isso crescem com a produtividade e riqueza do país. Podia antes indexar-se as pensões ao valor da inflação, que é normalmente cerca de 2% abaixo da taxa de crescimento dos salários. Embora esta alternativa garanta que o valor real das pensões se mantém, implica que com o tempo as pensões são cada vez mais pequenas em relação aos salários. A quebra de rendimento na passagem à reforma será cada vez maior.
Uma terceira solução é simplesmente acabar com o sistema. Se o ministro dissesse “Acabou. Não há mais nada para ninguém”, então a geração que está prestes a reformar-se arcava com o custo inteiro. Essa geração teria descontado para a segurança social toda a vida e não receberia um euro de volta. Mas, tal como no caso da mudança na fórmula de indexação, pode-se distribuir o custo por todas as gerações futuras. Basta emitir dívida pública para compensar parcialmente a geração presente e pagar esta dívida gradualmente nas gerações que se seguem.
A crise na segurança social cria dilemas difíceis, sobretudo sobre como distribuir os custos por diferentes gerações. Uma coisa é certa: se tem menos de 50 anos e está a contar reformar-se aos 65 com uma reforma próxima do seu salário actual, espera-o uma grande desilusão. O meu conselho: comece a poupar. Fazer uma grande birra quando alguém lhe lembra o problema é inútil.

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