segunda-feira, julho 17, 2006

O custo de vida

Publicado no Diário Económico a 5/1/2006

Com o início de 2006 aumentaram alguns preços, nomeadamente nos combustíveis, electricidade e tabaco. Os media discutiram o seu impacto no custo de vida dos portugueses. Mas o que é o custo de vida?
Para um economista, o custo de vida é a riqueza necessária para sustentar um determinado nível de vida. Um dos usos da inflação é medir o aumento do custo de vida, ou seja, de quanto dinheiro é que eu preciso para manter o meu nível de vida face aos novos preços. É claro que esta definição é inútil, a não ser que se especifique o que é o nível de vida.
Para os estatísticos do século XIX, o nível de vida era a capacidade de comprar um cabaz de produtos. Mantendo fixo este cabaz, o aumento do custo de vida mede quantos mais euros eu preciso para o comprar tendo em conta os novos preços. Ainda hoje se usa este método – com base no cabaz consumido por uma família média - para calcular a inflação em Portugal e noutros países.
Qualquer bom economista fica arrepiado quando ouve esta definição de inflação. Um princípio sagrado da economia é que as pessoas respondem aos preços. Se o preço das bananas sobe em relação ao preço das maçãs, sabemos que as pessoas passam a consumir relativamente menos bananas e mais maçãs. Manter fixo o cabaz de compras quando os preços mudam está claramente errado. O erro é ainda mais óbvio quando surge um produto novo, como um computador ou telemóvel. Nos Estados Unidos em 1996, a comissão Boskin concluiu que o índice de preços do consumidor (IPC) com cabaz fixo sobrestimava a inflação em 1.1%.
Uma melhor definição do nível de vida é a felicidade ou bem-estar que uma pessoa alcança quando pode escolher livremente o que consumir de acordo com quanto tem de pagar. A inflação mede então quanto mais dinheiro eu preciso para atingir o mesmo bem-estar com novos preços. O seu cálculo exige que se compreendam bem os padrões de consumo das pessoas e de como reagem às mudanças de preços. Mas para isso é que servem os economistas e os seus modelos.
O problema complica-se quando tomamos em conta o simples facto de que as pessoas vivem por muitos anos. Quando o preço das bananas sobe hoje, as minhas opções não são apenas comer menos bananas ou mais maçãs hoje. Posso também ir buscar dinheiro às minha poupanças para comprar hoje as bananas de que tanto gosto. Ao fazer isto, claro que vou ficar com menos dinheiro para amanhã – o custo de vida sem dúvida aumentou. Mas o tamanho do aumento será menor se eu puder usar as minhas poupanças para amortecer o efeito dos actuais preços altos.
A capacidade de transferir dinheiro no tempo implica que outros factores afectem o custo de vida para além dos padrões de consumo actuais. Por exemplo, se hoje o preço da gasolina sobe mas eu espero que ele desça para o ano, o aumento no custo de vida é menor do que se o preço da gasolina subir permanentemente. Para além disso, uma mudança nas taxas de juros afecta o custo de vida. Uma taxa de juro é afinal o preço relativo do consumo hoje versus o consumo amanhã. Se o preço das bananas relativo ao das maçãs hoje afecta o custo de vida, então o preço das bananas hoje relativo ao preço das bananas amanhã também tem de afectar o custo de vida.
Na prática, o preço da habitação é um dos que mais afectam o custo de vida. As despesas com a habitação são uma fatia importante no orçamento de uma família. Para além disso, a casa é um dos principais componentes de riqueza e poupança. Imagine que tem de comprar hoje uma casa e os preços estão temporariamente altos. Então, não só sofre por pagar muito agora, como também porque a queda dos preços no futuro implica uma perda no valor da sua riqueza. Segundo os meus cálculos, enquanto o IPC subiu em média 2.3% por ano nos EUA desde 2000, o custo de vida subiu 7.4% sobretudo por causa do ‘boom’ imobiliário. Por isso, pagar mais pela gasolina, electricidade ou tabaco pode incomodar no dia-a-dia. Mas se quer saber quanto custa viver em Portugal, preste atenção a quanto custa pôr um telhado sobre a sua cabeça.

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