segunda-feira, julho 17, 2006

A elevação da teoria dos jogos

Publicado no Semanário Económico a 13/10/2005

Thomas Schelling e Robert Aumann ganharam este ano o prémio Nobel pelo seu trabalho na “Teoria dos Jogos”. De que trata a teoria dos jogos? Como toda a economia, trata de pessoas. Mas pessoas que se distinguem porque vivem com outras pessoas e percebem que interagem com elas em jogos contínuos de cooperação e competição. Pessoas que compreendem que a melhor estratégia é sempre colocar-se na posição do outro, perceber o que o motiva e prever o que ele vai fazer, e só então decidir como agir. A melhor definição da teoria dos jogos é talvez esta: o estudo das interacções estratégicas entre seres.

A teoria dos jogos foi inventada pelo matemático John Von Neumann e pelo economista Oskar Morgenstern. Von Neumann, na sua genialidade, abriu fronteiras na matemática, física, e ciência dos computadores. É talvez mais conhecido por supostamente ter inspirado Stanley Kubrick na criação da personagem “Dr. Strangelove.”

Tal como no filme, um dos ‘jogos’ mais importantes do pós-guerra gira em torno das armas nucleares. Thomas Schelling era um jovem economista com um olho único para descobrir novas questões. Fascinado pelo problema nuclear, escreveu “The Strategy of Conflict” onde aplica a teoria dos jogos a guerras e conflitos.

Schelling percebeu a importância da “possibilidade do segundo ataque”. No seu estilo típico, considerou a situação de dois pistoleiros no faroeste: se depois de ser ferido o pistoleiro consegue ainda atingir o adversário, então nenhum dos dois tem vantagem em ser o primeiro a disparar. Se ambos preferem viver, nenhum o fará. Esta teoria esteve por detrás da corrida ao armamento, com mísseis apontados ao adversário espalhados pelo mundo, que até hoje preveniram um conflito nuclear.

A partir destes jogos, Schelling desenvolve uma teoria de negociação. Outro exemplo que o fez famoso envolve um general que queima as pontes na retaguarda do seu exército para assim eliminar a opção de retirada. Talvez mais relevante para o contexto português actual é o caso do político que faz uma promessa publicamente de forma a forçar o apoio do seu partido.

A segunda grande obra de Schelling “Micromotives and Macrobehavior” apresenta situações em que as acções de cada indivíduo podem, através das suas influências nos outros, levar a resultados surpreendentes. Considere uma cidade na qual todos são tolerantes, mas cada um quer que pelo menos uma pequena parte dos seus vizinhos seja igual a si (por exemplo na raça ou religião). Schelling mostrou que daí pode resultar uma sociedade altamente segregada.

Robert Aumann é o preciso oposto de Schelling, mas talvez por isso o seu perfeito complemento. Doutorado em matemática, o seu objectivo foi expandir as fundações matemáticas da teoria dos jogos. Se os livros de Schelling são fáceis de apreciar, os obras de Aumann requerem do leitor mestria matemática, determinação, e sobretudo estômago.

Uma das suas contribuições foi formalizar matematicamente um dos rasgos de génio de Schelling. Frequentemente, é dificil garantir cooperação entre dois seres porque um deles tem um incentivo forte para atraiçoar o outro. Mas, se os dois lados conseguirem comprometer-se a encontros repetidos, então a ameaça de um castigo futuro consegue garantir cooperação no presente. A possibilidade de vinganca é não só racional, como também permite altruismo e cooperação. Schelling sugeriu esta possibilidade, Aumann provou-a e estabeleceu a teoria de jogos repetidos.

Outra criação de Aumann é o conceito de “equilíbrio correlacionado”. Imagine que eu e a minha mulher nos queremos encontrar depois do trabalho. Ela prefere ir ao cinema, eu prefiro o teatro. Se ela for ao cinema, eu prefiro fazer-lhe companhia, mas o mesmo se aplica a ela se for eu ao teatro. Ambos sao equilíbrios. Num terceiro equilíbrio, cada um de nós atira uma moeda ao ar para decidir onde ir: algumas vezes encontramo-nos, outras não. Aumann sugeriu que ambos podemos ser mais felizes se seguirmos um sinal público. Por exemplo, se chover encontramo-nos ao cinema, se fizer sol no teatro. Este é um equilíbrio correlacionado.

Schelling e Aumann representam bem as duas faces distintas da teoria dos jogos. Schelling é um dos seus maiores aplicadores, descobrindo situações aparentemente complexas que se tornam simples quando vistas pela perspectiva de um jogo. Aumann é um grande construtor, criando noções de equilíbrio e caracterizando formalmente as propriedades de jogos abstractos. Em conjunto, elevaram a teoria dos jogos. Por isso, ganharam o prémio Nobel.

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