segunda-feira, julho 17, 2006

Receitas para curar o défice

Publicado no Diário Económico a 27/10/2005

Imagine um país em crise orçamental. O défice público ronda os 6% e a dívida não pára de crescer há anos. O governo anterior tentou pôr as contas públicas em ordem subindo o IVA mas falhou: as despesas continuaram a crescer e a economia entrou em recessão. Um novo governo maioritário acabou de ser eleito para governar este pequeno país vizinho de um dos líderes europeus mas na cauda da Europa em riqueza. Que país é este?

Se acha que é Portugal, está enganado. O país é a Irlanda e o ano é 1987. O novo governo encetou um programa corajoso de reformas e em apenas dois anos eliminou o défice público. Desde então, a Irlanda tem crescido a um ritmo impressionante e é hoje mais rica do que a média europeia e do que a vizinha Inglaterra.

Nos últimos 30 anos, ocorreram outras consolidações orçamentais bem sucedidas em vários países da OCDE. Por sucesso entenda-se que a consolidação pôs as finanças públicas em ordem de forma permanente e conseguiu evitar uma recessão profunda e um aumento substancial do desemprego. Em contrapartida, muitos países tentaram e falharam. A boa notícia para Portugal é que podemos aprender com estas experiências. Quais são então as receitas para o sucesso no combate ao défice?

Receita 1: Avance nas circunstâncias adequadas. É raro um governo de coligação conseguir estabilizar as contas públicas. Uma maioria absoluta é crucial para manter um rumo firme. Outro ingrediente para o sucesso é avançar quando a economia está em expansão de forma a atenuar os sacrifícios da estabilização.

Receita 2: Seja ousado e persistente. Quanto maior o ajustamento fiscal, maior a probabilidade de ter êxito. Reduções graduais do défice raramente se aguentam por muito tempo. Para evitar uma recessão, é importante avançar com credibilidade e persistir. As pessoas têm de acreditar que estão perante uma mudança de regime que vai eliminar a possibilidade de uma crise grave mais tarde. A percepção de que os sacrifícios actuais evitam custos maiores no futuro encoraja as pessoas a investir e consumir estimulando a produção.

Receita 3: Corte nas despesas certas. Quase todos os casos de sucesso envolveram cortes substanciais nas despesas do Estado. A composição dos cortes deve incidir sobretudo em duas categorias: as despesas com funcionários públicos e com o Estado-providência. Como esperado, isto torna as reformas politicamente difíceis; mas também garante o seu sucesso.

Receita 4: Não aumente impostos e evite despesas. Estabilizações através do aumento dos impostos conduzem a recessões e raramente persistem. Na Irlanda em 1987, por exemplo, o governo baixou os impostos sobre os rendimentos. Já aumentos no investimento público, por porem em risco a consolidação orçamental, frequentemente geram recessões.

As circunstâncias adequadas – receita número 1 – estão actualmente reunidas em Portugal: o governo controla uma maioria na Assembleia da República e a economia está em trajectória ascendente (embora suave). Relativamente à segunda receita, não sabemos se José Sócrates terá a ousadia e a persistência para levar as reformas até ao fim. No entanto, são as duas últimas receitas que deixam mais dúvidas quanto ao sucesso do actual plano de redução do défice. Os cortes na função pública e nas despesas sociais no último orçamento de Estado são muito tímidos e os impostos não param de crescer. Os investimentos planeados na Ota e no TGV prometem agravar os problemas.

Estas receitas talvez não sejam fáceis de digerir. Mas para adoçar o remédio, pensem nas recompensas. Estabilizações bem sucedidas levam a crescimento económico, a um disparar do investimento privado e ao aumento do consumo das famílias. Politicamente, um governo bem sucedido é normalmente recompensado nas eleições seguintes. Vale a pena tentar – a vida para além do défice é doce desde que o défice desapareça.

Sem comentários: