Publicado no Diário Económico a 10/11/2005
Na semana passada, George W. Bush nomeou Ben Bernanke para suceder a Alan Greenspan no cargo de “maestro” à frente da Reserva Federal norte-americana. A partir de Janeiro, Bernanke vai ser, nas palavras da imprensa, “o segundo homem mais importante do mundo”. Esta nomeação foi bem acolhida pelos mercados financeiros e pelos especialistas em política monetária.
Na semana passada, George W. Bush nomeou Ben Bernanke para suceder a Alan Greenspan no cargo de “maestro” à frente da Reserva Federal norte-americana. A partir de Janeiro, Bernanke vai ser, nas palavras da imprensa, “o segundo homem mais importante do mundo”. Esta nomeação foi bem acolhida pelos mercados financeiros e pelos especialistas em política monetária.
Os elogios justificam-se. Bernanke é talvez a pessoa mais qualificada no mundo inteiro para ocupar este cargo. Ele passou quase toda a sua carreira no departamento de economia da Universidade de Princeton a estudar os problemas que um banco central enfrenta, em particular na interacção da política monetária com o sistema financeiro.
Bernanke notou que a taxa de juro fixada pelo banco central afecta o custo de financiamento dos bancos. Estes por sua vez cobram uma taxa de juro às empresas que depende também do risco que os empréstimos não sejam pagos. Para se protegerem deste risco, os bancos pedem bens como garantia. Quanto maiores as garantias, e sobretudo quanto maior o ‘cash-flow’ e liquidez da empresa, menor o risco para o banco e logo menor a taxa de juro que este cobra. Ora, quando o banco central sobe as taxas de juro, o maior custo de financiamento leva os bancos a subirem as suas taxas. Mas para além disso, estas taxas podem subir ainda mais se as garantias das empresas piorarem. Este é o caso porque, por exemplo, com taxas mais altas, as despesas das empresas com juros aumentam, diminuindo o ‘cash-flow’ e a liquidez. Outro mecanismo opera pelo lado dos bens da empresa: se a subida das taxas reduz as vendas e o preço das acções, então o valor das garantias diminui. Através destes mecanismos, o efeito da subida das taxas de juro pelo banco central na economia é amplificado pelo sistema financeiro.
Bernanke também mostrou que o sistema financeiro pode ser a fonte de choques importantes. A função dos bancos na economia é recolher informação sobre os credores e acompanhar os empréstimos. Quando os bancos vão à falência, perde-se esta informação. Os pequenos credores, como os agricultores e as pequenas empresas, têm dificuldade em obter empréstimos de outros bancos, porque estes não os conhecem e não conseguem distinguir bons e maus pagadores. O colapso de alguns bancos pode por isso levar ao colapso da economia porque as pequenas empresas não conseguem obter crédito. Bernanke argumentou que, através deste canal, a crise financeira nos Estados Unidos no início dos anos 30, foi uma das principais causas por detrás da Grande Depressão.
O papel de presidente do Fed requer mais do que a condução hábil da política monetária. O presidente do Fed é um gestor, quer de uma instituição com milhares de trabalhadores, quer das relações com os mercados financeiros. Como gestor, Bernanke já liderou o departamento de economia em Princeton, foi governador do Fed, e conselheiro económico do presidente Bush. No entanto, como Bernanke me disse há dois meses atrás, o maior desafio da sua carreira política foi presidir à associação de residentes responsável por gerir a escola dos filhos. Embora as suas acções em Washington afectem muitas mais pessoas, qualquer decisão na escola arriscava gerar grupos de pais insatisfeitos, dispostos a baterem à porta de Bernanke à noite exigindo explicações!
Quais são as mudanças que se esperam na conduta do Fed? Poucas. Bernanke sabe que um banco central deve ser aborrecido e previsível. A sua função é garantir a estabilidade e não aparecer nas notícias. Para além disso, a política de Alan Greenspan foi bem sucedida, pelo que pouco há a mudar. A médio prazo, espera-se que Bernanke adopte um objectivo numérico para a taxa de inflação (provavelmente 2 ou 3%), de forma a comunicar melhor a missão do banco central. Mas, o verdadeiro teste para este calmo professor de economia vai ser a sua capacidade de enfrentar crises. O seu desempenho logo se verá, mas o seu currículo inspira optimismo.
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