segunda-feira, julho 17, 2006

Uma cura para África

Publicado no Diário Económico a 24/11/2005

Das várias tragédias que se abatem sobre o continente africano, uma das maiores é a prevalência de doenças infecciosas. Estima-se que por ano morram cerca de 5 milhões de pessoas com malária, tuberculose, ou sida. Quase todas vivem em países em desenvolvimento.
Com uma calamidade de tal ordem, esperar-se-ia que todos os esforços da indústria farmacêutica estivessem empenhados na busca de curas. Na realidade, esse não é o caso. O mercado africano é pequeno, muito pequeno: os seus pobres habitantes dispõem de pouco ou nenhum dinheiro para comprar medicamentos. Os milhares de crianças que morrem por ano não vivem o suficiente para criar a riqueza que lhes permitiria pagar os tratamentos. Os governos também frequentemente não ajudam. Quando no final dos anos 90, o governo sul-africano decidiu não respeitar várias patentes de medicamentos que atrasam a progressão do vírus da sida, conseguiu adiar a morte de milhares de doentes. Mas, ao passar a mensagem clara de que uma cura para a sida será muito provavelmente expropriada, poderá ter morto milhões. Não existem incentivos para qualquer empresa gastar os milhões necessários em pesquisa.
O que fazer? O economista da universidade de Harvard, Michael Kremer, tem defendido uma solução. Kremer recorda que, por vezes no passado, foram usados prémios para recompensar inovações. Em 1714, o governo britânico estabeleceu um prémio de £20,000 para quem inventasse um aparelho que medisse a longitude no mar evitando os frequentes desastres marítimos. John Harrison respondeu ao incentivo e entre 1735 e 1761 inventou várias versões, cada vez mais precisas, do cronómetro.Porque não fazer o mesmo em relação às doenças contagiosas? Ou seja, porque não pegar apenas numa parte dos 70 bilhões de dólares gastos nos últimos anos no perdão das dívidas aos países mais pobres e criar antes um prémio para quem inventar a vacina para a malária? O maior problema será talvez distinguir uma vacina legítima de promessas infundadas. O próprio John Harrison teve de esperar até 1773 para finalmente receber o seu prémio.
Uma solução seria um compromisso de compra ao invés de um prémio directo. Os doadores comprometer-se-iam legalmente a comprar uma determinada quantia da vacina a um preço estabelecido. Esta seria então revendida aos africanos por uma fracção desse preço. Se a vacina não fosse eficaz ou se se detectassem efeitos secundários indesejados, os doadores poderiam suspender as compras de acordo com o contrato.
Uma pessoa que percebe muito bem a força de prémios e incentivos para encorajar a inovação é o fundador da Microsoft, Bill Gates. Em 1999, ele doou 50 milhões de dólares para criar a ‘Malaria Vaccine Initiative’ que procura uma vacina para a malária. Para além de apoiar o trabalho de Kremer, a MVI decidiu recompensar com 10 milhões de dólares uma equipa de investigadores da GlaxoSmithKline que tinha obtido alguns resultados encorajantes. (A farmacêutica tinha suspendido o projecto: o mercado era demasiado pequeno para justificar as despesas.) Seis anos depois, encontra-se de momento em progresso a segunda ronda de testes de uma vacina em crianças moçambicanas e tanzanianas. No último dia 15 de Novembro foram publicados novos resultados: a vacina reduziu a incidêndia de casos graves de malária em 49%. Ainda falta muito trabalho antes que este esforço possa chegar à fase de comercialização. Mas, por incrível que pareça, os euros a mais que gastou no seu computador para o equipar com o sistema Windows podem ter feito mais por África do que os bilhões que enviamos por ano em “ajuda” directamente para os bolsos de ditadores africanos.

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