segunda-feira, julho 17, 2006

A estabilidade dos preços

Publicado no Diário Económico a 7/3/2006

No campo da política monetária existe um contacto intenso entre a pesquisa e a aplicação. Os académicos e os banqueiros centrais colaboram activamente e os avanços científicos são rapidamente explorados na prática. Possuir um doutoramento em economia é hoje quase um pré-requisito para qualquer candidato a governador de um banco central. (Como todas as regras, esta também tem excepções: há uma semana George Bush nomeou um advogado de 35 anos, Kevin Warsh, para uma posição na Reserva Federal. Principais qualificações: conselheiro de Bush desde 2002 e casado com uma neta de Estee Lauder que contribuiu mais de $100,000 para o partido republicano nos últimos 5 anos. Enfim...)
No centro desta área está uma questão de fundo: quão importante é a estabilidade dos preços? Sobretudo, qual é o papel do controlo da inflação em relação a outros objectivos como a redução do desemprego?
A resposta a esta questão tem mudado com o tempo. Na década de 60, acreditava-se que estabilizar os preços entrava em conflito com reduzir o desemprego. Esta foi uma época dourada na macroeconomia. Havia um consenso quanto aos princípios fundamentais, e os economistas dedicavam-se a preencher os detalhes. O modelo da economia funcionava bem, fazia previsões acertadas, e afirmava que se podia reduzir o desemprego à custa de mais inflação. Cabia aos políticos escolher que peso dar a cada objectivo; o economista podia guiar a economia para o ponto desejado.
Num acto de ousadia, Milton Friedman afirmou em 1967 que o modelo ia entrar em colapso. As fundações teóricas não eram sólidas e parte do sucesso empírico devia-se a alterações ‘ex-post’ consoante a ocasião. Friedman atacou a noção de que havia um conflito entre a estabilização dos preços e a redução do desemprego. O nível geral de preços é uma unidade de medida, como o quilo ou o metro. Se em sociedade decidirmos que um metro passa a corresponder a 120 centímetros (inflação de 20%), não é por isso que os prédios ficam mais altos. Mais inflação não leva a menos desemprego.
A década de 70 confirmou as previsões de Friedman de uma forma espectacular. Quando os choques petrolíferos e a desaceleração no aumento da produtividade levaram ao aumento do desemprego, os bancos centrais responderam deixando a inflação subir. Mas o desemprego não baixou. A macroeconomia entrou em colapso e Friedman tornou-se um herói.
Nos anos 80, os académicos, ocupados com o desenvolvimento de novas fundações teóricas, abandonaram os banqueiros centrais. Estes, incorporaram a lição dos anos 70 a fundo. A estabilidade dos preços era independente do desemprego. Logo, dedicaram-se a reduzir a inflação.
Na década de 90, surgiu o início de um novo consenso académico e novas lições para a política monetária. Estas foram implementadas progressivamente e com um sucesso crescente. A importância de um banco central independente do poder político, a transparência na comunicação com os mercados, ou o ênfase em fixar taxas de juro e movê-las gradualmente, são alguns dos avanços desta época.
O novo conhecimento trouxe uma nova visão: a estabilidade dos preços e baixo desemprego não são objectivos em conflito nem são independentes. Antes, são objectivos complementares. Numa economia em que os preços são estáveis, torna-se mais fácil tomar decisões ou fazer planos. Não é preciso estar sempre a prestar atenção à inflação ou estar sempre a rever e ajustar contratos. Da mesma forma que o facto de todos sabermos que 1 metro é igual a 100 centímetros torna mais fácil coordenar engenheiros, arquitectos e trabalhadores na construção de um edifício, sabermos que o nível de preços é estável torna mais fácil a coordenação da actividade económica entre todos os agentes.
Para além disso, num ambiente de estabilidade, a conduta da política monetária torna-se mais fácil. Se as pessoas acreditam que os preços se vão manter estáveis, não é necessário que a política monetária reaja tanto em resposta a choques. Temporariamente, pode-se usar a política monetária para aliviar recessões. É este o novo consenso e vivemos hoje perto de uma nova época dourada na macroeconomia. Sem entrar nas euforias do passado, esperemos que dure.

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