segunda-feira, julho 17, 2006

Imigração

Publicado no Diário Económico a 18/4/2006

Nos últimos 50 anos, Portugal foi por excelência um país de emigrantes. Mais recentemente, tem-se transformado num país de imigrantes, recebendo pessoas de África, do Brasil e da Europa de Leste, entre outros. O último censo estima que em Portugal vivem perto de 360 mil imigrantes. Nos Estados Unidos, a nação dos imigrantes, 13% da população empregue é imigrante, e a fracção imigrante da população das cidades americanas subiu de 9.5% para 18% entre 1980 e 2000.
Tendo em conta a dimensão do fenómeno, não é de estranhar que o impacto da imigração esteja rodeado de debate, polémica e retórica. Felizmente, também existem alguns factos. O economista David Card, da Universidade da Califórnia em Berkeley, resumiu num artigo publicado em 2005 no ‘Economic Journal’ o que sabemos sobre o impacto dos imigrantes nos residentes locais. A conclusão das dezenas de estudos neste tópico é que a imigração tem muito pouco impacto nos trabalhadores locais. Esta lição aplica-se quer ao nível dos salários quer à taxa de desemprego, e tanto em geral como especificamente ao grupo dos trabalhadores menos qualificados ou ao grupo dos imigrantes já instalados.
Um dos melhores estudos nesta área, escrito por Card, analisou o impacto do ‘Mariel boatlift’. A 20 de Abril de 1980, o ditador Fidel Castro, sob pressão interna e numa tentativa de provar ao exterior que os cubanos eram livres e felizes, permitiu pela primeira vez que, quem quisesse, podia sair do país pelo porto de Mariel. Entre Maio e Setembro, 125.000 cubanos fugiram em barcos e jangadas em direcção a Miami. A primeira reacção de Castro ao êxodo foi abrir as portas das cadeias para ‘despejar’ os criminosos nos Estados Unidos. A 31 de Outubro, o embaraço era tal que Castro fechou o porto de Mariel.
Miami sofreu assim, de um dia para o outro, um aumento de 17% na sua população activa, através de imigrantes pouco qualificados na sua maioria, e alguns com antecedentes criminais. No primeiro ano, a taxa de homicídio na cidade subiu 50%, e a tensão entre os habitantes levou a motins nos bairros negros que resultaram na morte de 13 pessoas a 17 de Maio. Este período da história americana foi imortalizado no filme ‘Scarface’.
O período proporciona uma experiência ideal para um cientista social: um influxo grande e exógeno de pessoas para uma cidade em particular. Podemos comparar a evolução do mercado de trabalho em Miami com a evolução noutras cidades americanas semelhantes nos anos seguintes. Fazendo-o, podemos distinguir o impacto da imigração.
Os resultados mostram que o desemprego em Miami na década de 80 foi semelhante ao das outras cidades. O salário médio igualmente não foi afectado. Olhando apenas para a população de hispânicos, novamente não se encontra nenhum efeito. Dentro da população de cubanos, o desemprego subiu e os salários baixaram mecanicamente na proporção da entrada destas novas pessoas-os imigrantes já instalados não foram afectados. Não houve também nenhuma mudança no salário dos menos qualificados. Por fim, a população de Miami subiu exactamente no número dos novos imigrantes-não houve nenhum êxodo dos locais.
Desde então, fizeram-se outros estudos que comprovaram estes resultados. Olhando para o influxo de 600,000 argelinos para França em 1962, ou para a expulsão dos judeus da URSS para Israel (que aumentou a população israelita em 12%), não se vê nenhum efeito nas condições laborais dos locais. (A experiência dos retornados em Portugal permite outro estudo ideal; para meu conhecimento, este ainda não foi feito.)
Inicialmente, estes resultados foram recebidos com surpresa. A lei da procura diz que, se aumenta a oferta de trabalhadores, devia diminuir o seu salário. Uma explicação é que os imigrantes criam novas empresas e procura de bens, aumentando assim a procura de trabalhadores. Outra explicação, apoiada pelos dados, é que a estrutura da produção se adapta para absorver os novos trabalhadores.
Da próxima vez que ouvir um político fazer campanha contra os imigrantes que roubam empregos, lembre-se disto: os imigrantes criam tantos postos de trabalho como os que ocupam e geram tanta (ou mais) riqueza do que aquela que consomem. Uma lição mais geral, que a experiência da entrada das mulheres no mercado de trabalho também confirma, é: a taxa de desemprego é independente do tamanho da população activa.

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