segunda-feira, julho 17, 2006

Os novos ricos

Publicado no Diário Económico a 4/4/2006

O nível e a evolução da desigualdade entre ricos e pobres são tópicos que atraem as ciências sociais mas sobretudo ideologias e paixões. Quando o debate (raramente) olha para os dados, normalmente foca a diferença de rendimento entre os 10% mais ricos e a média ou mediana nacional.
Estes indicadores têm duas limitações. Primeiro, não existem dados de confiança antes de 1960. Segundo, o cidadão típico no escalão 10% não é o Belmiro nem o Amorim. Antes, são os médicos, os advogados e os engenheiros de sucesso, que hoje ganham cerca de 1.500 euros líquidos por mês.
Recentemente, os economistas Thomas Piketty e Emmanuel Saez coligiram novos dados sobre o rendimento dos ricos, usando as declarações de rendimentos para a cobrança de impostos. Embora os impostos pessoais afectassem menos de 10% da população no início do século XX, eles incluíam o 1% mais rico. Comparando o seu rendimento com o rendimento total da população (para o qual temos os dados do PIB), Piketty e Saez foram capazes de construir séries com mais de 100 anos para a fracção do rendimento que vai para o 1% mais rico nos Estados Unidos e em França. Entretanto estudaram também o Canada, a Holanda, o Reino Unido, a Suíça e o Japão. Desde 1900 até 1980, França e Estados Unidos tiveram uma evolução semelhante. Em ambos, no início do século XX, cerca de 18% a 20% do rendimento ia para o 1% mais rico.
No período que vai da primeira à segunda Guerra Mundial, houve uma grande redução na desigualdade de tal forma que em 1950, o topo 1% só ganhava 9% a 10% do rendimento total. No Reino Unido, a queda foi ainda maior, de 20% para 6%. Dados mais detalhados revelam que (I) quase todo o “empobrecimento” se concentrou no 0.1% mais rico, e (II) na sua origem está a redução nos rendimentos de capitais. Os ‘rentiers’ franceses sofreram nesta época com a destruição dos seus capitais pela guerra e com as expropriações nazis. Os industriais americanos foram arruinados pela Grande Depressão e financiaram a segunda Guerra Mundial através de impostos altíssimos sobre o capital.
De 1950 até ao final da década de 1970, a fracção de rendimento dos mais ricos manteve-se estável a este nível mais baixo, sem nenhuma reversão para os níveis anteriores. A razão muito provavelmente prende-se com a introdução de taxas de imposto altamente progressivas. Entre 1950 e 1970, a taxa de imposto efectiva para as pessoas nos escalões mais elevados era acima de 75%. Em 1963, nos Estados Unidos, chegou aos 91%. Logo, tornou-se impossível acumular riqueza que permitisse chegar aos níveis do início do século. A experiência da Suíça confirma esta explicação. O sistema fiscal suíço sempre foi pouco progressivo e, após a segunda Guerra Mundial, o rendimento dos mais ricos recuperou rapidamente.
Nos últimos vinte e cinco anos, a distribuição da riqueza nos Estados Unidos e em França evoluiu de uma forma muito diferente. Em França, a fracção do rendimento que vai para o topo 1% manteve-se constante ao nível de 1950. Mas, nos Estados Unidos, surgiram novos ricos. A fracção de rendimento para o topo 1% tem subido a um ritmo acelerado que se intensificou desde meados dos anos 1990. Está hoje muito perto dos níveis de há 100 anos atrás. Há hoje nos Estados Unidos mais de 20.000 contribuintes com rendimentos acima dos $10 milhões. O Canada e o Reino Unido tiveram uma evolução semelhante aos Estados Unidos, enquanto a Holanda e o Japão se assemelham a França.
Os novos ricos do início do século XXI são diferentes dos velhos ricos do início do século XX. Grande parte da subida nos seus rendimentos veio em salários. Enquanto os velhos ricos só obtinham 15% dos seus rendimentos em salários, para os novos ricos o salário é 60% do seu rendimento. Os velhos ricos eram aristocratas e magnatas da indústria. Os novos ricos são CEO, executivos, programadores informáticos, actores e músicos famosos. Os ricos deixaram de ser os tradicionais capitalistas e passaram a ser os quadros superiores.
A criação destes novos ricos deve-se a vários factores. Por um lado, as novas tecnologias recompensam o conhecimento e a capacidade de gestão em vez da propriedade. Por outro lado, as taxas de impostos nos escalões mais altos têm descido e surgiram novas formas de compensação como as ‘stock options’. Há um novo formato no “capitalismo” e, mais cedo ou mais tarde, ele e os seus novos ricos chegarão a Portugal em força.

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