sexta-feira, dezembro 29, 2006

Desafios para 2007

Publicado no Outlook do Diário Económico a 18/12/2006.

Em quase todas as sociedades na história, a desigualdade entre os cidadãos ocupou um papel central na política e na economia. Na Europa continental, existe uma intolerância para com a desigualdade da riqueza. A experiência de séculos durante os quais era rico quem nascia herdeiro na família certa levaram os europeus a encarar a riqueza como um produto da sorte e a olhar para a desigualdade como um mal em si. Nos EUA, sem esta herança cultural, o sucesso económico é mais frequentemente interpretado como resultado de esforço e capacidade. Por sua vez, os americanos são intolerantes em relação à desigualdade de oportunidades. A capacidade de qualquer um ter sucesso desde que seja trabalhador, inteligente e honesto é um principio fundamental da sociedade americana.

Nos últimos dez anos, têm surgido novas formas de desigualdade que vão colocar grandes desafios no futuro próximo.

Nos EUA, a economia das novas tecnologias aumentou a disparidade de rendimentos entre quem tem um curso superior e quem não completou os estudos secundários. O sucesso económico na última década enriqueceu os trabalhadores qualificados, mas os trabalhadores não-qualificados recebem hoje um salário real que é praticamente igual ao que era em 1996. Este facto já esteve no centro da discussão durante as eleições de Novembro para o congresso e o senado, e o partido democrata promete mantê-lo no topo da agenda política em 2007. Para além disso, embora as universidades americanas tenham sido um dos motores por detrás das inovações e crescimento dos últimos anos, elas estão agora sob pressão para expandirem o acesso a ainda mais alunos. Vão ter de lidar com o desafio de alargar a igualdade de oportunidades na educação sem pôr em risco a excelência da investigação.

O grande milagre económico dos últimos 20 anos é a China. Um dos países mais pobres do mundo tem crescido a um ritmo impressionante salvando milhões de pessoas da pobreza e da fome. Embora a China ainda seja um país pobre, é difícil não ficar emocionado com as expectativas para os próximos anos. Se conseguir manter este ritmo de crescimento, milhões de pessoas vão finalmente ter acesso às condições de vida que consideramos essenciais no ocidente. No entanto, este rápido crescimento criou duas Chinas. Por um lado, há a China do progresso, da industrialização, da expansão dos meios urbanos e do acesso a bens de consumo ocidentais. Por outro lado, há a China tradicional, dos camponeses nos campos de arroz, vivendo em meios rurais em condições não muito diferentes das de há 100 anos atrás. Por enquanto, o regime autoritário chinês tem conseguido manter a estabilidade. Mas, mais cedo ou mais tarde, as centenas de milhões de chineses que ainda não experimentaram o progresso vão exprimir a sua impaciência. A forma como a sociedade chinesa conseguir integrar estes dois grupos polares vai determinar o futuro, não só da China, mas também do mundo inteiro.

Em Portugal, os esforços de contenção do défice e reforma do Estado puseram a nu outras desigualdades. Muitos portugueses trabalham horas sem fim pagos a recibos verdes, passam meses nas filas dos hospitais, e não têm dinheiro para alugar uma casa. Ao mesmo tempo, há muitos outros que se reformam antecipadamente aos 50 anos com pensões pagas pelos que trabalham, não podem ser despedidos façam o que fizerem, têm rendas congeladas a níveis irrisórios, e não têm pudor em manifestar-se e tornar a vida mais difícil para todos quando alguém tenta tocar nestes “direitos adquiridos”. As tensões entre estes dois grupos em que se divide a sociedade portuguesa já se fizeram notar em 2006 durante a discussão da reforma da segurança social, as mudanças na função pública e as greves na justiça. Em 2007, vão-se acentuar e marcar a política e a economia.

Nos EUA, na China ou em Portugal no ano que vem, estas desigualdades vão-se fazer sentir ainda mais e exigir respostas. Mas tem de se evitar que a ânsia de soluções leve a reacções erradas e a políticas precipitadas. Este é um dos grandes desafios para 2007.

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