domingo, dezembro 09, 2007

Em defesa dos Nobel

Publicado no Diário Económico a 23/10/2007.

Os prémios Nobel de 2007 já foram todos anunciados. Onze pessoas espalhadas pelo mundo estão agora mais famosas, ricas e felizes. (Em contrapartida, como diz uma velha piada académica, a felicidade total no mundo baixou: por cada pessoa premiada, o comité tornou cinco pessoas desiludidas por não terem ganho.)

Como é normal em qualquer prémio, não faltaram as críticas às escolhas deste ano. No entanto, em Portugal fico sempre surpreendido com a violência de alguns comentários e o tom de condescendência de outros. Não sei se isto ocorre porque para muitos intelectuais portugueses proeminentes, os prémios são uma coisa distante dada a umas pessoas de que eles nunca ouviram falar. Ou talvez seja porque os ‘opinion-makers’, normalmente mordazes e certeiros, esbarram nesta altura com a falta de cultura científica no país. De qualquer forma, e porque não encontro quase ninguém nos media que defenda os Nobel, decidi dar o corpo às balas.

Para começar, os prémios servem dois propósitos importantes. Primeiro, durante uns dias muitas pessoas aprendem que nas universidades se faz mais do que dar aulas. Para além das notícias habituais sobre a última ponte inaugurada, a última queda na bolsa, ou a última dieta da moda, encontram-se artigos sobre: porque é que as pontes não caem, porque é que as bolsas existem, e porque é que a comida engorda. É pouco, mas vale muito.

Segundo, os prémios recompensam algumas das pessoas mais talentosas e esforçadas do mundo. Elas dedicaram a sua vida a responder a perguntas fundamentais sem aplicação ou recompensas imediatas. Muitas destas pessoas podiam ter sido médicos prestigiados, banqueiros ricos, ou ministros. Dar-lhes os seus cinco minutos de fama (e algum dinheiro) não é assim tão mau.

Como qualquer prémio, os Nobel são definidos (I) pelas pessoas que os escolhem e (II) pelos propósitos e critérios que seguem. Os críticos esquecem-se por vezes que os seis prémios Nobel são muito diferentes. Por exemplo, o Nobel da Paz é atribuído por uma comissão parlamentar norueguesa que tem o seu conjunto de valores. Criticar o Nobel da Paz por ser um “prémio político” é como criticar as conclusões das comissões de inquérito da Assembleia da República por serem políticas. Claro que sim!

Por sua vez, o prémio da Literatura é dado pela Academia Sueca. Estes 18 excêntricos eruditos gostam de chocar, como é bem visível na cerimónia de anúncio do prémio, com o bater do sino e o discurso em seis línguas. Sempre que ouço dizer que há meia dúzia de autores portugueses que mereciam o prémio, lembro-me de ter ouvido o mesmo vindo de pessoas de uns 20 países.

Em contrapartida, os Nobel da Física, Química e Economia são dados pela Academia das Ciências Sueca. Para estes 514 cientistas sérios e sisudos, a ciência e o conhecimento são um fim em si, e eles querem recompensar os seus avanços. Logo, não se deve esperar que cada prémio tenha por trás uma aplicação no dia-a-dia.

O prémio da Economia deste ano é um bom exemplo. O trabalho que premiou não afectou quase nenhuma política económica ou explicou nenhum conjunto de dados. Mas, o estudo do “desenho dos mecanismos”, a “compatibilidade dos incentivos”, e o “princípio da revelação” deram um salto gigante na formalização dos mercados e negociações. Este trabalho pode não ter ajudado quase nenhum dos leitores directamente, mas ajudou muito os economistas, que usando estas ferramentas passaram a poder dar respostas a perguntas que se pensava ser impossíveis. (Qual é o melhor formato para um leilão? Qual o efeito do protocolo na negociação de um contrato? Como recompensar um gestor se os lucros dependem tanto do seu esforço como da sorte?)

Por fim, algumas críticas confundem os prémios com as pessoas. Gerhard Ertl ganhou o prémio da química, independentemente das suas opiniões políticas, religiosas ou mesmo científicas. Não é por ganhar o prémio que ele representa o consenso da comunidade química sobre qualquer assunto. O prémio foi dado pelos seus “estudos dos processos químicos nas superfícies sólidas”. Nem mais, nem menos.

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