domingo, dezembro 09, 2007

Regulação financeira

Publicado no Diário Económico a 9/10/2007.

Se é verdade que de boas intenções está o inferno cheio, então não devem lá faltar reguladores. São muitas as pessoas honestas e de valor que no passado aceitaram regular um mercado e hoje admitem que, na melhor das hipóteses, deixaram tudo na mesma. Nos mercados financeiros, as razões para o pessimismo são ainda maiores. Há poucos mercados onde é tão notável a complexidade das operações, e são tão chocantes os limites na informação do regulador, tão grandes as quantias envolvidas, tão difícil de controlar o protagonismo e a auto-desresponsabilização dos reguladores, e tão abundantes os argumentos demagógicos de políticos e fazedores de opinião.

Sobretudo preocupante é o desejo de regular à pressa. Em resposta ao colapso da Enron, aprovou-se nos EUA a regulação Sarbanes-Oxley que impôs um aumento nos mecanismos de controlo contabilístico e na informação que as empresas cotadas têm de disponibilizar. Embora as intenções fossem as melhores, a lei aumentou tanto os custos de estar cotado em Wall Street que levou muitas empresas a saírem da bolsa de Nova Iorque, quer para fundos de investimento privados, quer para Londres, ajudando a capital inglesa a tornar-se no novo centro financeiro mundial.

É previsível que a recente crise do ‘subprime’ leve a mudanças na regulação. Já se ouvem algumas sugestões aparentemente sensatas que podem ter consequências desastrosas.

Primeiro, fala-se em maior transparência, sobretudo para as empresas de ‘private equity’ e para os ‘hedge funds’. Convém não menosprezar os custos contabilísticos que isto vai trazer, como aconteceu com Sarbanes-Oxley, ou ignorar a realidade destas instituições. A razão de ser da ‘private equity’ é permitir que uma empresa poupe milhões por deixar de se reger pelos regulamentos das bolsas. Se se obrigar as empresas não-cotadas a seguirem os mesmos princípios de transparência das empresas cotadas, o negócio de ‘private equity’ deixa de fazer sentido. No caso dos ‘hedge funds’, a sua razão de ser é poder adoptar estratégias de investimento arrojadas, menos convencionais, e normalmente secretas. Se se obrigar os ‘hedge funds’ a investirem o seu dinheiro de forma prudente como os bancos, ou a revelarem as suas estratégias de investimento, deixam eles de fazer sentido. Excessos de transparência podem destruir dois dos sectores financeiros mais inovadores na última década.

Segundo, fala-se em regular as agências de ‘rating’. Só que estas agências não são muito diferentes de um jornal: a sua tarefa é fornecer informação de qualidade e, se não o fizerem, deixam de ter clientes. Embora faca sentido que o Diário Económico (DE) esteja sujeito a leis e punições se intencionalmente defraudar os seus leitores, é fácil ver os riscos de dar muito poder aos reguladores da comunicação social para determinarem o que o DE pode ou não publicar. O mesmo se aplica às agências de ‘rating’.

Não quero ser só destrutivo nesta coluna. Por isso, proponho duas medidas e um princípio como alternativa. A primeira medida é apertar o controlo sobre os ‘structured investment vehicles’ (SIV), fundos de investimento cada vez mais usados pelos bancos, mas que são excluídos das suas contas e das análises de risco e liquidez. Quando acontece uma crise, o regulador é o último a saber dos problemas.

A segunda medida é apoiar a criação de mercados centralizados. O mercado dos CDO, que esteve no centro da crise, funciona por telefone directamente entre vendedor e comprador. Em alturas de crise, é fácil alastrar o pânico e secar a liquidez porque a informação está tão difusa. Podiam-se evitar algumas crises com um mercado central no qual os preços e a informação sobre a liquidez estejam sempre disponíveis, tal como nas acções ou nos derivados. Os mercados são bens públicos, pelo que se justifica apoio público.

Por fim, o princípio regulador vem do meu colega Alan Blinder que o repete há anos: um banco não deve investir num produto se a/o seu CEO não for capaz de o compreender e explicar. Até os banqueiros por vezes se deixam fascinar por esquemas imperceptíveis que prometem lucros fáceis mas que têm riscos escondidos.

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