domingo, dezembro 09, 2007

Escolas públicas e privadas

Publicado no Diário Económico a 6/11/2007.

A publicação das notas médias dos exames do 12º ano trouxe de novo à baila o confronto entre escolas públicas e privadas. No grupo das dez escolas com melhor nota média nos exames, nove são privadas. Este domínio do ensino privado no topo foi, como habitual, usado para provar a sua superioridade em relação ao público. Mas basta um momento de reflexão para perceber que este facto, por si, não prova nada.

Imagine que eu pego nas crianças duma escola e as divido em dois grupos com camisolas diferentes. Para o primeiro grupo, das camisolas azuis (mais caras), escolho as crianças que têm pais abastados, com cursos superiores, bibliotecas em casa, e que levam regularmente as crianças a parques e museus. No segundo grupo, com camisola vermelha barata, ponho todos os outros. Observando os dados, não é surpreendente que o grupo das camisolas azuis tenha melhores notas. Mas concluir que as camisolas azuis fazem as crianças mais espertas está claramente errado.

É perfeitamente plausível que as escolas privadas eduquem melhor as crianças do que as públicas. Mas também é plausível que não haja diferença na eficácia dos dois tipos de ensino. A diferença nas notas de exames pode-se dever apenas aos pais das crianças com camisolas azuis caras preferirem pô-los em escolas privadas mais caras, onde têm serviços que lhes agradam (porteiro, carrinha para a escola, uniformes) mas que são irrelevantes para o rendimento escolar.

Considere outra aplicação deste tipo de argumento: as pessoas que estão internadas num hospital têm mais probabilidade de morrer nas próximas 24 horas do que as pessoas que estão numa igreja. Logo, a missa é mais eficaz a prevenir a morte do que a medicina. O ridículo do exemplo expõe o erro lógico em afirmar que as escolas privadas são melhores do que as públicas só porque têm melhores notas nos exames.

O melhor argumento a favor das escolas privadas é a competição. Para conseguirem achar clientes dispostos a pagar as suas propinas, ano após ano, estas escolas têm de fornecer um produto valioso. É muito provável (mas não necessário) que, para muitas escolas, grande parte desse produto seja o acesso a melhor educação e a melhores notas nos exames. Se não forem competitivas, estas escolas não vão ter clientes.

Partir deste argumento válido para concluir que se deve privatizar todo o ensino é, no entanto, novamente uma falácia. Um argumento tão plausível quanto o da competição nota que na aprendizagem as crianças são influenciadas pelos seus colegas de escola. Uma criança numa turma de alunos aplicados aprende mais do que numa turma de alunos com dificuldades. Isto tanto pode ser porque o professor pode planear aulas mais avançadas, porque o aluno aprende com os colegas em trabalhos de grupo, ou por causa da pressão social que os colegas exercem sobre ele. É possível que o produto que as escolas privadas vendem seja apenas a coordenação de alunos bons num só local, que por sua vez produz melhores resultados.

Mesmo que este só seja parcialmente o caso, ele implica que num sistema de escolas privadas se deve esperar alguma auto-segregação. Os melhores alunos querem estar em escolas com outros bons alunos, e os piores alunos só conseguem arranjar maus colegas. Deslocar um só aluno fraco de uma escola má para uma escola boa teria um efeito mínimo nos seus colegas, mas teria um efeito enorme no rendimento deste aluno. Nestas circunstâncias, o sistema privado é ineficiente. É possível que num sistema público que mistura todos os alunos, a perda para os alunos bons em relação ao sistema privado seja mais do que compensada pelo ganho para os alunos maus. Nesse caso, o sistema público é superior ao privado, apesar de as escolas privadas competirem na oferta de um produto de valor com impacto nas notas dos exames.

Estas falácias (e outras) implicam que não se pode decidir qual o melhor sistema de ensino baseado apenas em argumentos ou em comparações ingénuas de dados. São precisos estudos empíricos mais cuidadosos e inteligentes. Na próxima coluna, descreverei alguns.

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