domingo, dezembro 09, 2007

Empresas familiares

Publicado no Diário Económico a 4/12/2007.

O Diário Económico de sexta-feira fez um balanço dos primeiros meses de Paulo Azevedo à frente da Sonae. Paulo sucedeu a seu pai Belmiro, uma mudança normal em Portugal, mesmo em empresas transaccionadas na bolsa e com capital disperso.

À primeira vista, estas transições familiares podem parecer uma forma de nepotismo que prejudica o valor da empresa. Como disse uma vez Warren Buffett, “restringir a escolha do melhor CEO ao pequeno grupo de herdeiros do CEO existente é como formar a equipa olímpica para 2020 escolhendo os filhos mais velhos dos atletas que ganharam a medalha de ouro nas olimpíadas de 2000.” As sucessões familiares trazem também o risco do gestor ter em conta o bem-estar da família e não o da empresa.

No entanto, teoricamente, não é óbvio que assim seja. Há algumas razões pelas quais o filho de um CEO pode ser o seu melhor sucessor. Primeiro, porque tem o nome da família em jogo, talvez o filho do CEO se esforce mais. Segundo, talvez nas conversas de jantar e nas horas passadas com o pai à volta da empresa, o filho tenha adquirido conhecimentos que mais ninguém tem. Terceiro, como as guerras palacianas pelas quais passou o BCP neste Verão ilustram, gerir uma grande empresa implica gerir equilíbrios políticos delicados entre accionistas, trabalhadores e clientes. Talvez o filho do CEO herde o conhecimento destas sensibilidades e, ainda mais importante, herde a confiança dos diferentes agentes.

Se as sucessões familiares ao leme das empresas são benéficas ou maléficas, é por isso uma questão empírica. Temos de olhar para os dados para ver o que acontece quando é nomeado gestor o filho do ex-CEO.

O economista Francisco Perez-Gonzalez tem investigado esta questão. No seu primeiro estudo, ele olhou para a sucessão de CEO em 335 companhias americanas nas quais existia uma concentração accionista significativa nas mãos de uma família. Destas sucessões, 122 envolveram um familiar. Perez-Gonzalez compara a mudança no valor da empresa após a mudança de CEO quando ocorre uma sucessão familiar ou não. Ele mede o valor usando uma medida contabilística, a taxa de retorno operacional.

Os resultados são surpreendentes pelo tamanho: a mudança no valor de uma empresa após uma sucessão familiar é cerca de 2,1% menor do que após uma sucessão fora da família.

De seguida, Perez-Gonzalez separa os CEO familiares em dois grupos: os que tiraram um curso numa universidade de elite e os restantes. No primeiro grupo, não há perda de valor da empresa após a sucessão; no segundo, a queda é brutal, 4,3%. Já se fizermos a mesma separação entre os CEO não-familiares, não há qualquer diferença entre os que foram ou não para as melhores escolas.

Existe um problema com estes resultados. Imagine que uma empresa está em sarilhos que só podem piorar. Então, pode ser que ninguém queira ser CEO além de um familiar disposto ao sacrifício. Nesse caso, nos dados observaríamos que as sucessões familiares surgem associadas a resultados negativos, sem no entanto os terem causado.

Num segundo trabalho, Perez-Gonzalez e dois colegas usam dados que cobrem todas as sucessões de CEO na Dinamarca entre 1994 e 2002, com informação biográfica extensiva sobre os CEO. Eles tiveram a seguinte ideia: separar os CEO de acordo com o sexo do primogénito. Eles mostram que a probabilidade de haver uma sucessão familiar é 10% maior quando o filho é varão.

O sexo do primogénito do CEO muito provavelmente não afecta a ‘performance’ da empresa directamente, a não ser pelo efeito que tem na probabilidade de haver uma sucessão familiar. Por isso, pode-se usar esta informação para inferir o efeito causal que tem uma sucessão familiar no valor da empresa. Usando esta estratégia, os economistas descobrem que uma sucessão familiar reduz a taxa de lucro da empresa em 4%.

A lição destes estudos é que, mantendo tudo o resto igual, nomear filhos leva a maus resultados. Nas sucessões familiares convém por isso não manter tudo o resto igual, mas antes garantir que os filhos passam provas ainda mais exigentes para merecerem o cargo.

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