domingo, dezembro 09, 2007

Os défices e a Europa

Publicado no Diário Económico a 17/7/2007.

O novo presidente francês, Nicolas Sarkozy, tem estado ao ataque contra o Banco Central Europeu (BCE) e o Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC). Primeiro, exigiu que o BCE baixe as taxas de juro para estimular a economia francesa. Agora, na última reunião do Ecofin, anunciou que a França vai quebrar os limites do PEC nos próximos anos e propôs eliminar o pacto. Em Portugal, Domingos Amaral no DE e Miguel Cadilhe no Expresso, já há algum tempo dizem o mesmo.

O que estranha nestas duas posições é que elas se anulam. Cada uma, por si, tem algum mérito. Mas, em conjunto, são difíceis de defender. Para perceber porquê, é preciso responder a algumas perguntas.

1. O que têm os défices a ver com a política monetária? Quando o governo de um país tem um défice, pede dinheiro emprestado. Se o défice persiste, o endividamento aumenta e eventualmente torna-se difícil sequer pagar os juros. O governo tem então três opções.

Pode recusar-se a pagar, renegando as suas dívidas. Mas isso mancha o bom-nome do país, que durante as próximas décadas não vai conseguir encontrar ninguém que lhe empreste dinheiro a não ser a taxas bem altas. Pode antes empreender as reformas necessárias para cortar nas despesas e pagar a dívida. Mas, se não teve a coragem, disciplina e bom senso para equilibrar as contas até agora, provavelmente não está disposto a fazê-lo.

A terceira opção é ordenar que o banco central imprima dinheiro para pagar as dívidas. Inicialmente, esta parece ser a opção mais fácil: só custa o papel e a tinta. Só que, rapidamente, transforma-se num pesadelo. Imprimir dinheiro leva ao aumento da inflação, prejudicando sobretudo os assalariados e pensionistas que recebem salários e pensões fixas. A moeda nacional desvaloriza-se, causando a subida dos preços dos muitos bens que são importados.

Com a inflação a disparar e a moeda em colapso, é preciso chamar o FMI que obriga a um corte drástico no défice. Porque o corte é a cego e apressado, acaba por ser muito mais custoso e doloroso. Os portugueses sabem bem do que estou a falar: assim se viveu no nosso país durante muito tempo.


2. E se o governo prometer ser responsável? Não chega. Se os investidores nos títulos da dívida pública portuguesa receiam que o governo vai renegar a dívida ou desvalorizar a moeda no futuro, exigem hoje uma taxa de juro mais alta para compensar o risco. Isto não só precipita problemas fiscais, como impõe um custo real na economia hoje.

Uma solução para este problema é dar independência ao banco central. Se o banco central não tem de receber ordens do governo, não pode ser pressionado a safá-lo da sua irresponsabilidade fiscal. Isto aumenta a confiança dos investidores, baixando as taxas de juro e reduzindo os custos financeiros no país. Foi isto que aconteceu em Portugal com a adesão ao euro.


3. Porque foi criado o limite aos défices no PEC? No caso do euro, a independência do BCE não chegou. Não só o BCE era uma instituição nova e sem reputação, como enfrentava o problema de cada país ter um incentivo ainda maior para exigir que o safem das suas dívidas. Enquanto que o benefício de ter as dívidas pagas é só do país, a inflação a mais é repartida por todos. Por isso, impuseram-se limites ao défice no PEC para evitar o endividamento antes de ser tarde demais.


4. Mas ainda é preciso o PEC? Talvez não. Se o BCE já ganhou credibilidade como uma entidade independente, então podemos dispensar o PEC. Mas só é este o caso se acreditar que, quando a França ou outro país tiver problemas financeiros e começar a dirigir pressões, ameaças e ultimatos ao BCE, este vai ter a força para resistir.

Como Sarkozy, Amaral e Cadilhe, acreditar que o BCE deve ter uma política monetária mais moderada para estimular a economia é válido. Defender que o PEC deve ser abolida também tem o seu mérito. Mas achar ao mesmo tempo que (I) os governos devem poder pressionar o BCE e influenciar a política monetária e (II) não deve haver limite aos défices, muito provavelmente levaria a (III) um grande desastre.

Sem comentários: