segunda-feira, março 30, 2009

Países pequenos

Publicado no Expresso a 22/11/2008.

Imagine que, no meio de um "boom" mundial no turismo, o grupo Pestana aumentava drasticamente o seu volume de negócios, investindo em dezenas de hotéis na América do Sul. Um dia, inesperadamente, rebentam guerras civis na região e vários ditadores sobem ao poder. Os turistas deixam de querer lá ir, os hotéis são expropriados, e o grupo Pestana vai à falência. Milhares de portugueses credores do grupo Pestana perdem milhões de euros.

O governo do continente decide intervir. Usando uma lei antiterrorista, declara que os madeirenses são terroristas e congela os seus bens no continente. De nada serve ao Banif argumentar que não tem nada a ver com o assunto, nem ao governo madeirense protestar que o Pestana é um grupo privado. A Madeira herda dívidas maiores do que toda a riqueza que produz ao longo de um ano. Percebendo que a Madeira está à beira da falência, os investidores correm a tirar o seu dinheiro da ilha, e até os cartões de crédito são suspensos. Incapaz de comprar comida no exterior, receia-se a fome na ilha. A Madeira vira-se para o FMI e para a União Europeia, mas Portugal continental usa a sua diplomacia para bloquear todas as tentativas de financiamento. "Primeiro recebemos nós", impõem os continentais. Nenhum país ou organização quer sacrificar as relações com Portugal por causa de 250 mil pessoas no meio do Atlântico.

Este cenário difícil de acreditar está, em traços largos, a acontecer hoje entre a Islândia e o Reino Unido. No seguimento da crise financeira mundial, os bancos islandeses foram à falência, deixando dívidas no Reino Unido. O governo britânico aplicou leis antiterroristas para congelar os bens islandeses e usa a sua influência para bloquear empréstimos à ilha. De país mais desenvolvido no mundo (segundo a ONU), a Islândia passou a país à beira da catástrofe.

Portugal é um país pequeno. A nossa diplomacia, tal como a islandesa, assenta na esperança de os grandes países nos acorrerem em caso de crise. Como os islandeses aprenderam, os grandes países querem saber dos seus interesses, e se for preciso, sacrificam tanto os islandeses como os portugueses.

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